Emaranhados urbanos
Retirada de excesso de fios em postes de Porto Alegre começa em outubro, mas solução definitiva ainda é desafio
Prefeitura estuda possibilidade de exigir fiação enterrada em novos empreendimentos; veja soluções encontradas por outras cidades
Conhecida pela beleza de seu pôr do sol, Porto Alegre também chama atenção de quem olha para o alto por outro motivo bem menos envaidecedor: o crescente emaranhado de fios em postes de iluminação.
A partir de outubro, terá início a etapa de remoção de fiação excedente por meio de um projeto da CEEE Equatorial que prevê beneficiar uma via da cidade a cada mês. Uma solução definitiva para esse problema, que causa prejuízo estético e facilita quedas de luz pela exposição da infraestrutura, seria enterrar os cabos. A prefeitura da Capital está elaborando um estudo sobre essa possibilidade, mas esbarra no alto custo envolvido. Uma das saídas em análise seria exigir o cabeamento subterrâneo em áreas de novos empreendimentos.
Em toda a área de concessão da CEEE, 17% das ocorrências de interrupção de energia, neste ano, foram provocadas exclusivamente pela exposição da rede à vegetação, por exemplo. Em Porto Alegre, essa cifra ficou em 14%.
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O diretor-superintendente da CEEE Equatorial, Julio Hofer, revela que a empresa recebeu solicitações de prefeituras como a da Capital, nas últimas semanas, para reduzir a carga pendurada aos postes para, pelo menos, melhorar a paisagem urbana. Por vezes, fios soltos ou folgados demais chegam a se aproximar do nível do solo.
— Recentemente, duas prefeituras se manifestaram, a de Porto Alegre e a de Guaíba, alegando desconforto com o aspecto urbanístico — afirma Hofer.
Por isso, o projeto de fiscalização e retirada do material irregular vai começar por essas duas cidades, nas vias Francisco Silveira Bitencourt (Capital) e Nestor de Moura Jardim (Guaíba). A cada mês, uma nova via afetada por esse problema deverá ser contemplada. A CEEE informa que ainda está mapeando os próximos locais a serem beneficiados em cada município. A ideia é estender a iniciativa para outras cidades atendidas pela CEEE Equatorial a partir do mês que vem.
A origem do problema está na assinatura de contratos de compartilhamento dos postes com fornecedores de telefonia, internet ou TV a cabo. Isso é estimulado pela legislação brasileira para que cada tipo de empresa não precise instalar um sistema próprio de postes. Porém, muitas companhias deixam de retirar fios antigos ao instalar os novos, e o material começa a se acumular.
Quando se olha para um poste, no máximo sete fios são de energia: três de média tensão localizados no nível mais alto, e até quatro mais abaixo (que podem aparecer enrolados como um só). Todo o restante é para outras finalidades.
O esquema de trabalho prevê diferentes etapas para regularizar o uso dessa estrutura: inicialmente, é feita uma inspeção, equipamentos inativos são identificados, e as empresas são notificadas. A última etapa, que terá início em 28 de outubro na Capital, é a remoção de todo o material irregular.
— Esse é um trabalho que será realizado de forma conjunta com as empresas, das quais 62 participaram de uma videoconferência sobre o assunto, e com as prefeituras. Não haverá repasse de custo ao consumidor — observa Hofer.
Um dos desafios percebidos até hoje é contar com a mobilização das empresas que alugam espaço nos postes para evitar a sobrecarga de cabos. A Câmara de Porto Alegre regulamentou em 2019 uma lei que previa a limpeza dos postes até o final daquele ano – mas o problema segue sem solução. Apenas em 2021, a prefeitura emitiu 53 notificações por irregularidades.
A CEEE sustenta que, a partir de agora, os materiais sem identificação serão removidos de qualquer forma nas ruas contempladas pelo projeto desenvolvido em conjunto com as prefeituras. Por isso, espera-se um impacto mais visível nas áreas beneficiadas, ainda que o avanço seja lento ao ritmo de uma via por mês.
Porto Alegre estuda exigir fiação subterrânea
Ao mesmo tempo em que se busca reduzir a carga de fios nos postes, a prefeitura de Porto Alegre começou a estudar outras possíveis soluções para o problema que costuma afetar todas as grandes cidades do país. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) está analisando possibilidades, mas esbarra em obstáculos como o custo elevado para eliminar a fiação aérea.
A CEEE Equatorial informa que implantar uma rede subterrânea custa entre 11 e 12 vezes mais do que uma aérea. Conforme reportagem publicada por GZH em janeiro do ano passado, o valor necessário para colocar um quilômetro de cabo embaixo do chão costuma sair por cerca de R$ 10 milhões.
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— Estamos estudando alternativas para fiação aérea. Se não é possível enterrar em toda a cidade, pelo menos que isso seja exigido em novos empreendimentos, já preparando a cidade do futuro — afirma o chefe de gabinete da Smamus, Joaquim Cardinal.
O trabalho ainda está em andamento e não tem prazo para ser concluído. A intenção é de que possa subsidiar a revisão do Plano Diretor. O superintendente da CEEE Equatorial, Julio Hofer, avalia que o grande obstáculo é o preço para a mudança de modelo, que acabaria sendo repassado aos consumidores.
— Se eu enterrar os fios em um bairro de Porto Alegre, o custo vai aumentar a conta do consumidor lá no Interior — exemplifica Hofer.
Mas o arquiteto e urbanista Benamy Turkienicz, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), observa que seria mais viável enterrar os cabos em determinados locais com características específicas, como alta densidade populacional ou maior risco de interrupções no abastecimento.
— Soluções tecnológicas já existem, o que falta é querer fazer. O principal motivo para a fiação aérea é redução de custos — avalia o urbanista.
Porto Alegre já conta, hoje, com pouco mais de 460 quilômetros de fiação subterrânea na área central, e recentemente ampliou essa estrutura com a inauguração da nova orla, onde a prefeitura fez questão de evitar cabos pendentes no ar.
— Tudo é uma questão de pactuação. Você precisa avaliar onde é vantajoso enterrar a fiação, dimensionando os custos e a densidade populacional. Todas as soluções técnicas já existem — analisa Turkienicz.
Exemplos de outras cidades
As grandes cidades brasileiras enfrentam dificuldades semelhantes às de Porto Alegre em relação à fiação aérea, já que este é o modelo privilegiado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em razão dos custos mais baixos – que também resultam em repasses menores para os consumidores.
Há iniciativas para tentar melhorar a situação, mas com grandes obstáculos legais e de financiamento. Cidades de países desenvolvidos costumam ser referência em relação a esse tema.
São Paulo – Uma lei de 2005 obriga concessionárias a enterrar o cabeamento de rede elétrica, telefonia e outros serviços. Mas, desde a aprovação, pouco foi feito. Uma meta parcial de retirada de 2.109 postes até o final de 2019 não foi cumprida. A zona central, em compensação, já conta com energia subterrânea há mais de duas décadas.
Campinas - A revitalização urbanística de uma área central do município envolveu a conversão do cabeamento aéreo em subterrâneo. Depois disso, foi protocolado na Câmara de Vereadores um projeto para fazer o mesmo com o restante da rede em um prazo de 12 anos. Porém, a empresa de energia afirmou que não teria como arcar com os custos desse projeto.
Paris – A fiação elétrica subterrânea começou a ser implantada ainda em 1910. Em razão desse trabalho realizado de forma bastante precoce, há mais de 60 anos a capital parisiense conta com as redes de distribuição no subsolo.
Nova York – Em 1888, apenas seis anos após o início da distribuição de energia elétrica, a cidade deu início à implantação da rede subterrânea. A decisão foi tomada após uma tempestade de neve provocar danos à fiação aérea. Em toda Manhattan, por exemplo, os cabos já ficam sob o solo.