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Vale do Paranhana

Inspirado por ídolo Cristiano Ronaldo, aluno com deficiência intelectual aprende o alfabeto e melhora desempenho escolar

Professores de escola de Três Coroas desenvolveram plano de ensino diferenciado para estudante de 10 anos que tem TDAH, com referências ao craque do futebol europeu

20/07/2022 - 21h49min


Tiago Boff
Tiago Boff
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Desde que ingressou no colégio, em 2019, Arthur Emanuel dos Santos, 10 anos, parecia sempre distante. Pouco interagia com os colegas e respondia tímido ou com um simples aceno de cabeça às perguntas das professoras. Nos livros, não diferenciava as letras nem formava frases. O diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e deficiência intelectual moderada — feito ainda na creche — contribuiu para os tropeços no aprendizado. Até que um olhar atento da educadora Luciana Fogaça começou a mudar a realidade do menino.

— Vi que ele gostava de futebol, em especial do Cristiano Ronaldo. Junto à professora titular, organizamos os conteúdos com referência ao CR7, ao Messi e até a um outro que eu não sei falar o nome... — diz Luciana, que é interrompida por Arthur.

— É Erling Haaland — ensina o garoto, com o nome do centroavante do Manchester City na ponta da língua.

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Luciana assumiu a turma de Arthur, uma das três do 4º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rui Barbosa, de Três Coroas, no Vale do Paranhana, há poucos meses, durante a licença maternidade da titular, Alessandra Tatiana Krause Silveira. Já de volta ao colégio, Alessandra nota o salto no desenvolvimento do estudante, creditado por elas à iniciativa.

— Às vezes, preciso até pedir para ele parar de conversar, porque é incrível o quanto evoluiu. Tá voando. E tem outro fator: o apoio da família, sempre presente — celebra a professora Alessandra.

A admiração por CR7 inspirou as lições em um polígrafo pensado especialmente para Arthur: sete palitos de sorvete pintados de vermelho foram alinhados, junto a uma imagem do jogador. Ele conta um por um dos pauzinhos e pronuncia o número estampado nas costas do atleta:

— É camisa 7.

Lauro Alves / Agencia RBS
Polígrafo traz lições inspiradas no CR7

Letras recortadas de revistas foram coladas no livro com a sequência inicial do nome de Cristiano Ronaldo: o "C" encontra o "R", recebe um "I" e um "S". Outra página tem letras diferentes, com a mesma estratégia de formar a alcunha do atacante do Manchester United.

Ao vivo no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (20), o fã respondeu se aprovaria uma suposta — e remotíssima — transferência do craque português da Inglaterra para o colorado gaúcho, seu clube do coração:

— Sim.

Pouco antes, o estudante havia imitado a comemoração de Ronaldo, com um salto seguido por um giro de braços abertos no ar.

Pai de Arthur, o industriário Alessandro dos Santos, 39 anos, explica que o menino consome com frequência vídeos na internet com atuações do CR7, e foi dessa forma que o encanto pelo jogador cresceu. O pai relembra uma situação inusitada, que ilustra a influência do jogador sobre o menino:

— Uma vez o Cristiano Ronaldo tirou a lata de Coca-Cola da bancada, em uma entrevista coletiva. Depois daquilo, o Arthur não queria mais beber o refri — diverte-se.

Aprendizado motivado por emoção e significados

Psicopedagoga e professora do núcleo de atendimento educacional especializado da escola, Luana Karina Bonatto resume o sucesso da ideia implementada com Arthur: 

— O cérebro precisa se emocionar para aprender.

Doutor em educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Becker segue linha muito semelhante ao ouvir a história de Arthur:

— Aprendemos só o que tem significado para nós. Cabe ao professor descobrir o que dispara o gatilho das emoções de alunos que, persistentemente, não conseguem aprender.

Lançar mão de atrativos pouco convencionais e de ferramentas modernas é incentivado também pela doutora em Ciência da Informação, mestre em Educação e pedagoga Daiana Rocha, gerente acadêmica da Edtech +A Educação.

— Engajar os alunos através de metodologias e tecnologias que proporcionem e desenvolvam as competências socioemocionais é o gatilho que diferenciará a educação do futuro. Dar significado para a teoria através da vivência dos alunos é ponto chave para uma experiência de aprendizagem efetiva, significativa e prazerosa — afirma a especialista.

Lauro Alves / Agencia RBS
Na biblioteca, aulas de xadrez para estimular o raciocínio

Xadrez e dois sonhos

Um projeto desenvolvido na biblioteca da escola Rui Barbosa explora mais uma paixão do guri, descoberta recentemente: o xadrez. A professora aposentada Maria Iêda Soares ensina o jogo para a criançada, como forma de estimular o raciocínio dos alunos.

Enquanto posava para fotos ao lado do polígrafo, na manhã desta quarta-feira (20), Arthur pediu licença ao repórter fotográfico Lauro Alves e buscou o tabuleiro guardado no armário. Distribuiu as peças e explicou as regras para a equipe de GZH, assim como faz para a família. Em casa, a comunicação de Arthur também aumentou de forma significativa, segundo a mãe, a esteticista Monica dos Santos, 38 anos.

O sonho do menino não é difícil de imaginar: conhecer Cristiano Ronaldo, presencial ou virtualmente, ao vivo ou em alguma gravação de vídeo. 

Seus pais, no entanto, surpreendem e emocionam as servidoras da escola ao revelar outro desejo construído a muitas mãos, sem dúvida motivado pelas equipes da instituição de ensino:

— Ele já disse que quer ser professor.

Ouça o Timeline com a entrevista de Arthur, pais e professores



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