Vale do Paranhana
Inspirado por ídolo Cristiano Ronaldo, aluno com deficiência intelectual aprende o alfabeto e melhora desempenho escolar
Professores de escola de Três Coroas desenvolveram plano de ensino diferenciado para estudante de 10 anos que tem TDAH, com referências ao craque do futebol europeu
Desde que ingressou no colégio, em 2019, Arthur Emanuel dos Santos, 10 anos, parecia sempre distante. Pouco interagia com os colegas e respondia tímido ou com um simples aceno de cabeça às perguntas das professoras. Nos livros, não diferenciava as letras nem formava frases. O diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e deficiência intelectual moderada — feito ainda na creche — contribuiu para os tropeços no aprendizado. Até que um olhar atento da educadora Luciana Fogaça começou a mudar a realidade do menino.
— Vi que ele gostava de futebol, em especial do Cristiano Ronaldo. Junto à professora titular, organizamos os conteúdos com referência ao CR7, ao Messi e até a um outro que eu não sei falar o nome... — diz Luciana, que é interrompida por Arthur.
— É Erling Haaland — ensina o garoto, com o nome do centroavante do Manchester City na ponta da língua.
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Luciana assumiu a turma de Arthur, uma das três do 4º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rui Barbosa, de Três Coroas, no Vale do Paranhana, há poucos meses, durante a licença maternidade da titular, Alessandra Tatiana Krause Silveira. Já de volta ao colégio, Alessandra nota o salto no desenvolvimento do estudante, creditado por elas à iniciativa.
— Às vezes, preciso até pedir para ele parar de conversar, porque é incrível o quanto evoluiu. Tá voando. E tem outro fator: o apoio da família, sempre presente — celebra a professora Alessandra.
A admiração por CR7 inspirou as lições em um polígrafo pensado especialmente para Arthur: sete palitos de sorvete pintados de vermelho foram alinhados, junto a uma imagem do jogador. Ele conta um por um dos pauzinhos e pronuncia o número estampado nas costas do atleta:
— É camisa 7.
Letras recortadas de revistas foram coladas no livro com a sequência inicial do nome de Cristiano Ronaldo: o "C" encontra o "R", recebe um "I" e um "S". Outra página tem letras diferentes, com a mesma estratégia de formar a alcunha do atacante do Manchester United.
Ao vivo no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (20), o fã respondeu se aprovaria uma suposta — e remotíssima — transferência do craque português da Inglaterra para o colorado gaúcho, seu clube do coração:
— Sim.
Pouco antes, o estudante havia imitado a comemoração de Ronaldo, com um salto seguido por um giro de braços abertos no ar.
Pai de Arthur, o industriário Alessandro dos Santos, 39 anos, explica que o menino consome com frequência vídeos na internet com atuações do CR7, e foi dessa forma que o encanto pelo jogador cresceu. O pai relembra uma situação inusitada, que ilustra a influência do jogador sobre o menino:
— Uma vez o Cristiano Ronaldo tirou a lata de Coca-Cola da bancada, em uma entrevista coletiva. Depois daquilo, o Arthur não queria mais beber o refri — diverte-se.
Aprendizado motivado por emoção e significados
Psicopedagoga e professora do núcleo de atendimento educacional especializado da escola, Luana Karina Bonatto resume o sucesso da ideia implementada com Arthur:
— O cérebro precisa se emocionar para aprender.
Doutor em educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Becker segue linha muito semelhante ao ouvir a história de Arthur:
— Aprendemos só o que tem significado para nós. Cabe ao professor descobrir o que dispara o gatilho das emoções de alunos que, persistentemente, não conseguem aprender.
Lançar mão de atrativos pouco convencionais e de ferramentas modernas é incentivado também pela doutora em Ciência da Informação, mestre em Educação e pedagoga Daiana Rocha, gerente acadêmica da Edtech +A Educação.
— Engajar os alunos através de metodologias e tecnologias que proporcionem e desenvolvam as competências socioemocionais é o gatilho que diferenciará a educação do futuro. Dar significado para a teoria através da vivência dos alunos é ponto chave para uma experiência de aprendizagem efetiva, significativa e prazerosa — afirma a especialista.
Xadrez e dois sonhos
Um projeto desenvolvido na biblioteca da escola Rui Barbosa explora mais uma paixão do guri, descoberta recentemente: o xadrez. A professora aposentada Maria Iêda Soares ensina o jogo para a criançada, como forma de estimular o raciocínio dos alunos.
Enquanto posava para fotos ao lado do polígrafo, na manhã desta quarta-feira (20), Arthur pediu licença ao repórter fotográfico Lauro Alves e buscou o tabuleiro guardado no armário. Distribuiu as peças e explicou as regras para a equipe de GZH, assim como faz para a família. Em casa, a comunicação de Arthur também aumentou de forma significativa, segundo a mãe, a esteticista Monica dos Santos, 38 anos.
O sonho do menino não é difícil de imaginar: conhecer Cristiano Ronaldo, presencial ou virtualmente, ao vivo ou em alguma gravação de vídeo.
Seus pais, no entanto, surpreendem e emocionam as servidoras da escola ao revelar outro desejo construído a muitas mãos, sem dúvida motivado pelas equipes da instituição de ensino:
— Ele já disse que quer ser professor.
Ouça o Timeline com a entrevista de Arthur, pais e professores