Notícias



Doação de sangue

Estado interrompe circulação de unidade móvel para coleta de sangue no RS

Governo diz que custo-benefício das coletas na unidade móvel não justificam mais a manutenção do serviço. Especialista e membros de associações de doadores discordam da decisão

09/04/2019 - 07h00min

Atualizada em: 10/04/2019 - 16h32min


Alberi Neto
Alberi Neto
Enviar E-mail
Ronaldo Bernardi / Agência RBS/BD - 12/12/2011
Coletas eram efetuadas em ônibus do Hemorgs

Quem costuma doar sangue em cidades onde não há banco de armazenamento vai ter um caminho mais difícil neste ano. Isso porque o governo estadual interrompeu a circulação da unidade móvel do Hemocentro do Rio Grande do Sul (Hemorgs). O ônibus costumava circular por municípios do Interior e Região Metropolitana, fazendo visitas em datas marcadas em conjunto com entidades locais. 

Leia mais
Moradora de Cidreira espera há dois anos por exame
Atraso na entrega de dieta enteral preocupa famílias
Espera de um ano por cirurgia de catarata prejudica idosa em Porto Alegre

A Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) concluiu que "o custo-benefício das coletas realizadas na unidade móvel não justifica a manutenção da atividade", conforme nota enviada à reportagem. Assim, de agora em diante, a pasta decidiu que "só serão realizadas coletas externas quando os estoques de sangue estiverem baixos", conforme o comunicado.

A justificativa da SES-RS para limitar a circulação do ônibus é que "quando a coleta é realizada na sede do Hemorgs, uma bolsa de sangue pode produzir até quatro hemocomponentes". Já quando a coleta ocorre na unidade móvel, a secretaria diz que, "em função das condições de acondicionamento e transporte, produz-se apenas um hemocomponente". 

Os hemocomponentes são os quatro produtos gerados a partir de uma bolsa de sangue. O principal é o concentrado de hemácias, mais comumente utilizado em transfusões. Depois, vem o concentrado de plaquetas, que pode ser usado em tratamentos de leucemia, por exemplo. Os últimos dois produtos são o plasma fresco e o crioprecipitado, utilizados em casos onde o paciente tem distúrbios de coagulação, por exemplo.

O Diário questionou a SES-RS sobre a quantidade de sangue que a unidade móvel coletou no ano passado e quanto isso representou no total enviado ao Hemorgs. Contudo, a secretaria não informou os dados.

"É grave"

Para quem entende do assunto, as justificativas do Estado não convencem. O vice-presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Dr. José Francisco Comenalli Marques Júnior, diz que o sangue coletado por unidades móveis pode ser utilizado para produção dos quatro hemocomponentes entre seis e oito horas após a doação.

— Há tempo suficiente para coletar e deslocar até o banco de sangue mais próximo para processar os hemocomponentes — aponta o hematologista e hemoterapeuta que, além do cargo na ABHH, trabalha no hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo.

Leia também
Falta de remédios preocupa pacientes com doenças crônicas e raras no Estado
Vacinação contra a gripe começa na quarta-feira
UPA de Canoas está fechada desde janeiro para reforma, mas a obra ainda não começou

Conforme José, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que entre 3% e 3,5% da população de um país doe sangue. No Brasil, o índice é de 1,9%. Sendo que, segundo a associação, entre 30% e 40% desse índice de doadores é conquistado fora dos hemocentros. 

— Essa retirada da unidade móvel é grave. Sem as coletas externas, o índice de doares no Brasil, por exemplo, cairia para cerca de 1,2%. Um cenário mais trágico do que esse que já temos atualmente — projeta o vice-presidente da ABHH. 

Na visão do especialista, a ótica adotada pelo Estado, de querer que o doador se dirija até os bancos de sangue — que, no Rio Grande do Sul, estão distantes de algumas cidades onde a unidade móvel costumava passar — é uma inversão de valores:

— Querer que o doador se desloque de graça até um banco de sangue para praticar um ato altruísta? O Estado tem é que buscar soluções, ir atrás do doador, não ficar esperando pela população. Isso é uma perda para toda a sociedade, pessoas morrem diariamente nas emergências do país por falta de sangue nos estoques.

Divulgação / Governo do Estado
Unidade circulava por municípios de todo o RS

"Mudança pode afetar todo o Estado"

A hematologista Kátia Zanotelli Fassina, responsável pelo banco de sangue do Hospital Conceição (HC), na Capital, acredita que a retirada da unidade móvel prejudicará os estoques dos bancos do Estado, principalmente, em períodos de maior demanda, como datas festivas, quando ocorrem mais acidentes, por exemplo. Mesmo que o banco de sangue do HC não receba bolsas do Hemorgs, Kátia explica que há um acordo de cooperação entre as entidades do RS.

— A unidade móvel coleta no Interior, trata no Hemorgs e devolve para essas cidades usarem nos hospitais. Se faltar sangue nesses locais, pelo acordo, as entidades entram em contato para pedir do Hemorgs ou dos bancos de outros hospitais, como o Conceição — explica a hematologista.

Ela acredita que, com os estoques baixando pela saída de unidade móvel, o sistema todo pode ser prejudicado. Segundo Kátia, o banco de sangue do Conceição não foi informado oficialmente da medida tomada pela SES-RS.

Associação vai buscar auxílio no MP

Quem trabalha voluntariamente organizando eventos de doação de sangue está decepcionado com a decisão do governo estadual. Os membros da Associação Sapucaiense de Apoio aos Doadores de Sangue (ASADS) receberam a notícia depois de terem encaminhado um pedido de visita da unidade móvel. 

— Costumamos ter duas datas por ano, além dos comboios que fazemos mensalmente para levar doadores até Porto Alegre. Mas com a unidade móvel é possível reunir quase 200 pessoas para doar. Agora, todo essa sangue que seria doado será perdido. Estamos muito preocupados com o que vai acontecer — diz o presidente da associação de Sapucaia do Sul, Osvaldo Faleiro.

Segundo a direção da entidade formada por voluntários, documentos estão sendo reunidos para que uma ação civil pública seja aberta junto ao Ministério Público. A SES-RS diz que, apesar da interrupção dos agendamentos de visita da unidade móvel, o Hemorgs mantém seu apoio às associações de doadores, inclusive com palestras, e realiza o transporte destes até a sede para coleta de sangue.

Leia outras notícias do Diário Gaúcho



MAIS SOBRE

Últimas Notícias