Educação
Professora de escola rural é exemplo de amor ao ofício
No litoral gaúcho, região do Estado onde há maior concentração de escolas públicas rurais, uma professora de 27 anos deixou a área urbana para viver entre dunas e isolada do principal acesso à RSC-101, até seis meses do ano, na Praia do Farol, em Tavares, a 230km da Capital.
Veridiana Coelho do Amaral é muito mais do que a mestre em educação dos oito alunos da Escola Municipal de Educação Fundamental Praia do Farol. Ela também é diretora, merendeira, faxineira e, principalmente, o exemplo a ser seguido pelas cerca de 150 famílias que vivem na região.
Neste Dia do Professor, o Diário Gaúcho presta uma homenagem aos profissionais e às quase 2,5 mil escolas rurais municipais e estaduais espalhadas pelo Rio Grande do Sul, que ajudam a manter os mais de 80 mil alunos do campo vinculados às suas raízes.
De fundos para o mar da Praia do Farol, a 25km do Centro de Tavares, a casa verde de quatro cômodos de madeira, com aberturas brancas, é o lugar favorito de uma "família" diferente. Ali, todos os dias, os nove integrantes se reúnem para compartilhar experiências de estudo e de vida. Oito deles têm entre cinco e 13 anos. São estudantes da pré-escola até o sétimo ano. A única adulta é a professora Veridiana Coelho do Amaral, 27 anos.
Na Escola Municipal de Educação Fundamental Praia do Farol, não há distinção de idade ou de grau de conhecimento. Todos são colegas e se ajudam. Duas vezes por semana, Veridiana dá aula para o grupo no mesmo horário. Há uma aluna na pré-escola, um no segundo ano, dois no quarto ano, um no quinto e três no sétimo ano - a última série na escola.
- Enquanto um grupo realiza suas atividades, repasso as tarefas a outro. O bom aqui é que os mais velhos auxiliam os mais novos. Somos uma família - destaca a professora, antes de ser acionada por um aluno.
Isolamento forçado
Quando foi chamada pelo município para atuar na escola mais distante do Centro, no início de 2013, Veridiana não sabia o que lhe esperava. Por saber que o único acesso à comunidade é feito pelas dunas numa trilha em meio à reserva ecológica da Lagoa do Peixe, a professora decidiu mudar-se com o noivo para a praia. Logo no primeiro ano, junto com toda a comunidade, enfrentou o isolamento forçado.
- No inverno, a Lagoa cobriu a trilha de maio a outubro. Só conseguíamos sair de moto da praia e costeando o mar até Mostardas. O trajeto até o Centro de Tavares aumentou mais 35km. Neste ano, para nossa sorte, ficamos isolados apenas de maio a agosto - recorda.
Mas nem a falta de estradas faz Veridiana pensar em deixar a escola. Pelo contrário, garante que está feliz. E a alegria vem do retorno dos próprios alunos. Quem não sabia ler, aprendeu. Ninguém jamais faltou a uma aula ou repetiu a série. E quando a professora precisa prestar contas no Centro da cidade, a própria comunidade aceita que a aula ocorra no sábado seguinte.
- Como são poucos alunos, não há diferenças. Os pais estão próximos e fazem questão de ajudar. É uma realidade muito diferente de uma escola urbana - afirma Veridiana, que está pela primeira vez lecionando numa escola rural.
"Quase como uma mãe"
Por volta das 14h30min, quando todos estão realizando as tarefas repassadas, Veridiana sai da sala de aula e vai ao refeitório. É hora de preparar o lanche da gurizada. A professora segue as orientações da nutricionista da Secretaria Municipal de Educação.
- Se eu estivesse em outra escola, não sei se teria o mesmo aprendizado. A professora está sempre pronta para tirar as minhas dúvidas. E ainda se preocupa com a nossa alimentação. É quase como uma mãe - afirma Cristiane Vieira Menegildo, 12 anos, do sétimo ano, a mais velha da turma e que em 2015 precisará se transferir para uma escola no Centro.
Preocupada porque também precisará se transferir para "a cidade", Raquel Lemos da Silveira, 12 anos, lamenta ter que ir para uma escola maior.
- Aqui, temos a atenção toda para nós. A professora tem paciência e vem na nossa classe explicar. Acho que terei mais dificuldades numa sala com 30 alunos - acredita.
Grávida de três meses
Mesmo sem querer se distanciar da turma, Veridiana precisará afastar-se da escola no próximo ano. Grávida de três meses do primeiro filho, ela planeja retornar às aulas após o período de licença. Mas demonstra descontentamento por ter que deixar os alunos.
- Vou sentir muita falta deles. Numa escola rural, acabo sendo mais do que a professora. Eles me procuram para falar dos anseios, das tristezas e para desabafar. Me sinto parte da família de cada um deles. Não há preço que pague uma relação assim - garante.
Alunos do campo têm apoio
Segundo o secretário de Educação, Cultura e Desporto de Tavares, Claudiomar Costa, a prefeitura dá uma ajuda de custo de R$ 150 para cada aluno que precisa deixar uma das quatro escolas rurais do município para continuar os estudos. Como serão os casos das colegas Raquel e Cristiane, da Praia do Farol.
- Eles só não ficam mais tempo nas escolas rurais porque as séries finais são dadas no Centro. Mas fazemos o possível para mantê-los estudando - afirma.
Os alunos de Veridiana
Tamara Santelena, cinco anos, pré-escola
William Santelena, dez anos, quarto ano
Diemerson Santelena, 12 anos, quarto ano
Gabriel Aguiar, sete anos, segundo ano
Leandro Teixeira Aguiar, 11 anos, quinto ano
Cristiane Vieira Menegildo, 12 anos, sétimo ano
Raquel Lemos da Silveira, 12 anos, sétimo ano
Fernando Arlindo de Oliveira, 13 anos, sétimo ano
Proximidade e valores
Em suas andanças pelo Litoral, a reportagem do Diário Gaúcho encontrou outra escola rural. Na Escola Municipal de Educação Fundamental Luis Manoel da Silveira, em Tramandaí, não há registros de evasão escolar ou reprovação dos alunos desde 2001.
- Como são poucos estudantes, as aulas são quase particulares e isso facilita a evolução dos alunos - acredita Maria do Carmo Oliveira, 40 anos, que dirige a instituição há 13 anos.
Localizada a 20km da área urbana, a única escola rural do município também é o posto de telefonia da comunidade. Existente há mais de seis décadas na localidade de Estância Velha, a instituição tem hoje 15 alunos do primeiro ao quinto anos, três professoras e uma merendeira.
Para facilitar o acesso das crianças, só há o turno da tarde em duas turmas multisseriadas.
- Os valores das crianças de escolas rurais são diferentes. Os pais estão mais próximos da escola e se preocupam como comunidade escolar. Numa instituição urbana, por mais que o professor se esforce, é difícil dar atenção a 30, 40 alunos ao mesmo tempo. Acaba ganhando o estudante mediano, já que os que têm dificuldades e os que se destacam mais não terão tanta atenção dispensada - justifica a diretora.
Aluna do último ano na escola, Edna de Andrade Cardoso, 11 anos, pensa em 2015, quando precisará ser transferida para uma escola urbana de Tramandaí. Filha de funcionários de uma fazenda próxima, Edna pretende continuar estudando.
- Gosto muito da escola e das professoras, mas preciso seguir nos estudos porque quero me tornar veterinária - diz, consciente.
Relação olho no olho
Mestre em Educação e doutor em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano há 30 anos, Euclides Redin, professor da Unisinos, é enfático:
- A relação olho no olho entre professor e aluno é fundamental. Um aluno que está numa sala de aula com mais sete (rural) tem o dobro de chances de aprendizado do que outro que divide a sala com 30 (urbana).
Segundo Euclides, pesquisas acadêmicas comprovam que as escolas rurais são como locais sagrados nas comunidades e os professores destas instituições têm relação mais estreita com a comunidade onde lecionam. O respeito é mútuo.
Apesar dos gastos dos municípios para manterem abertas instituições menores, Euclides reforça que basta uma criança para existir uma escola. A aula personalizada, diz Euclides, oportuniza um melhor aprendizado.
- É muito bonita a história desta professora que se mudou para a Praia do Farol, em Tavares. Ela assumiu as crianças e suas famílias. E a praia assumiu a professora como referência. Quer melhor relação do que esta para a educação dar certo? - complementa o estudioso ao saber da história de Veridiana.
Incentivo para continuar no campo
Desde o início deste ano, uma lei federal determina que para fechar uma escola de educação do campo, indígena ou quilombola, a decisão precisa passar por uma manifestação da comunidade escolar. O prefeito ou secretário de educação precisa justificar a decisão ao conselho municipal de educação, e será ele quem determinará a continuidade ou não da instituição.
Para valorizar as escolas de campo, o Ministério da Educação (Mec) tem investido em iniciativas que garantam o acesso e a continuidade dos estudantes nas comunidades rurais. O Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) inclui ações de apoio à formação dos professores, à educação tecnológica dos alunos e à melhoria da infraestrutura física e tecnológica dos equipamentos.
Por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE Campo), o Mec tem investido, desde 2012, cerca de R$ 395 milhões em manutenção, conservação e pequenos reparos de instalações, equipamentos, abastecimento de água e saneamento de escolas. Os estudantes das áreas rurais são atendidos também pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD Campo).
O campo também é contemplado pelo programa Caminho da Escola, de transporte de estudantes. Entre 2008 e 2013, o Mec investiu mais de R$ 4,4 bilhões e quase 15 mil ônibus para as zonas rurais.
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