Opinião
Carlos Etchichury: como enfrentar a barbárie
O Brasil tem um curioso apreço pela brutalidade. Em terras "cordiais", queimam-se índios e mendigos, promovem-se massacres de presos, autoriza-se agentes públicos a executar trabalhadores sem terra, incendeiam-se ônibus com passageiros dentro, castigam-se autores de pequenos delitos com linchamentos em praça pública que remontam à inquisição.
Leia também:
Suspeito de participar de estupro coletivo é liberado após depoimento
Anonymous anuncia "caça" aos estupradores de adolescente no Rio
Ato condena a cultura do estupro e o machismo em Porto Alegre
O mais recente episódio a engrossar a folha corrida da sociedade brasileira ocorreu no Rio. Pelo que se apurou até agora, uma adolescente de 16 anos foi sedada e seviciada por 30 homens nas entranhas de uma favela. Não satisfeitos, os algozes filmaram a vítima, ainda nua e ensanguentada, e postaram o vídeo nas redes sociais. Pode algo mais brutal? É a banalidade do mal, como definiu filósofa Hannah Arendt.
Há diferentes caminhos para enfrentar a barbárie em uma sociedade anestesiada. O mais simples deles, e que sempre ganha força nos momentos de crise, é o endurecimento legal. Cana dura para os desviantes e, se possível, pena de morte para assassinos e estupradores. Inspirados no modelo norte-americano, que alcançou a marca dos 2 milhões de presos sob governos republicanos, defensores da lei e da ordem acreditam que se encarcera pouco no Brasil. Acham desonroso o quarto lugar no ranking mundial das massas carcerárias que o país ocupa – com cerca de 700 mil detentos empilhados em masmorras, só perdemos para os EUA, Rússia e, obviamente, a China. Querem o topo!
Leia outras colunas
É uma resposta legítima, mas, como a história tem nos mostrado, pouco eficiente. Em duas décadas, dobrou a massa carcerária e, em contrapartida, aumentaram homicídios, estupros e roubos. Aos prisões punem criminosos (superlotadas, punem além da conta, diga-se), mas, em mais uma peculiaridade brasileira, também contribuem para que quadrilhas se fortaleçam e continuem operando a partir de penitenciárias. Como regra, eles saem de lá mais frios e violentos.
O Brasil precisa encarcerar bandidos, lógico que precisa. Só que o furo é muito mais embaixo. Não é pela certeza da impunidade que aqueles jovens estupraram uma adolescente. Eles serão punidos, e sabem disso porque habituaram-se a ver punidos os seus amigos e vizinhos de comunidade que praticam delitos.
Quem faz o que eles fizerem é incapaz de refletir, de se colocar no lugar do outro. São pessoas que permanecem nas trevas, em um estágio anterior ao iluminismo, apartados de valores básicos de uma sociedade civilizada. Este é o problema.
Eles fazem parte de um Brasil de milhões de excluídos – uma exclusão econômica e também social, educacional, cultural. São pessoas que vivem na idade média, brutalizadas, que desconhecem teatro, cinema, literatura, que amplificam a intolerância, o discurso machista, homofóbico e violento, que batem palma para políticos que classificam índios e lésbicas como "tudo que não presta". Como o Brasil dos excluídos, há outros brasis: o Brasil das empreiteiras corruptoras, o Brasil da elite política corrompida e cínica, o Brasil de uma elite econômica insensível, o Brasil de uma imensa camada média bem formada e bem-intencionada, o Brasil de empresários corretos e comprometidos.
Passa pela construção de um só Brasil, menos desigual, mais humano e, sobretudo, com mais educação e mais Justiça, a luta contra a barbárie.