Guerra do Tráfico
Pé na porta dos V7: polícia ataca líderes da guerra do tráfico na Capital
Ação do Denarc prendeu 12 pessoas. Entre elas, mulher que é um dos principais contatos do traficante André Vilmar de Souza, o Nego André, atualmente preso na Pasc. Ele é apontado como líder dos V7
Só se ouviam os latidos nervosos dos cachorros entre os becos escuros da Vila Cruzeiro no começo da manhã de sexta. À medida que o imenso aparato policial cercava a área apontada como coração da quadrilha dos V7, entre as ruas Banco Inglês, Caixa Econômica e a Avenida Moab Caldas, poucos moradores apareciam nos portões para saber o que acontecia.
Logo entenderam, quando uma mulher de 34 anos passou algemada e aos gritos, de que se tratava de uma injustiça, diante do olhar dos agentes. Ao todo,
12 pessoas foram presas.
Era uma ação do Denarc para desarticular os gerentes da quadrilha apontada pela polícia como a responsável pela guerra travada entre facções na Capital desde o começo do ano.
Leia mais
Operação policial ataca o tráfico de drogas na Vila Cruzeiro
Como nasce uma facção: entenda o surgimento dos principais rivais dos "Bala na Cara"
Guerra do tráfico: acompanhamos a polícia em uma das áreas mais violentas de Porto Alegre
Conforme levantamento do Diário Gaúcho, o conflito entre os Bala na Cara e os Anti-Bala – capitaneados pelos V7 – já resultou em pelo menos 62 assassinatos neste ano.
Se considerados os bairros Bom Jesus, Vila Jardim, Jardim Carvalho e a região da Vila Cruzeiro, apontadas como as áreas mais conflagradas pela guerra do crime, foram 55 assassinatos.
Mais do que o dobro dos 26 registrados na mesma área no ano passado até a metade de junho.
O comando
– Esta quadrilha determinou o nascedouro desses conflitos atuais. Tínhamos como principais objetivos dessa ação prender o comando na rua deste grupo e apreender armas – explica o diretor de investigações do Denarc, delegado Mario Souza.
Além das prisões, foram apreendidos 500g de crack, dezenas de pinos de cocaína, uma pequena quantidade de maconha e três revólveres.
A mulher que foi presa em sua casa e despertou a vizinhança é apontada pela investigação que durou quatro meses como um dos principais contatos do traficante André Vilmar de Souza, conhecido como Nego André, atualmente preso na Pasc e apontado como líder do bando.
Além de gerenciar o tráfico na Vila 27, ela é companheira de um homem preso ano passado com um arsenal dos V7 na Vila dos Papeleiros.
– Trata-se de uma pessoa de confiança da quadrilha, é muito respeitada na vizinhança justamente por esse papel que tem no grupo – explica o delegado Guilherme Calderipe, que comandou a investigação.
Além dela, foram presos na ação outros três gerentes da quadrilha. Um deles teve de ser preso no Instituto do Coração, onde tem uma cirurgia cardíaca marcada. Ele ficará sob custódia no hospital.
Tudo em família
Conforme a investigação do Denarc, o lema "V7: mais que uma quadrilha, e sim uma grande família", encontrado entre postagens nas redes sociais de jovens integrantes da quadrilha, não é à toa.
Nego André tem entre seus comandados de confiança justamente os familiares e as pessoas muito próximas da sua família. Este era o principal alvo da operação denominada Matriarca.
Havia mandados de prisão temporária contra pelo menos três pessoas do núcleo familiar do traficante. Elas não foram encontradas durante a ação.
– São pessoas que seguem as ordens diretas do comando e têm muito poder de persuasão em jovens da comunidade. São adolescentes aliciados por R$ 200, um par de tênis, que se tornam facilmente soldados do tráfico. Eles é que cumprem as ordens para crimes tão violentos – estima o delegado Mario Souza.
Um desses homens é Diego Azevedo de Souza, o Caroço, preso por tráfico no começo de maio. Ele segue preso. Os dois irmãos tiveram mandados de prisão cumpridos sexta, na cadeia, durante a operação do Denarc.
Mortes se multiplicam
Entre as reclamações da mulher levada presa na Vila Cruzeiro estava também um lamento de mãe.
– Mataram o meu filho e vocês não fizeram nada. Onde vocês estavam? – gritava aos policiais.
Matheus Teixeira Menezes Alves, o Matheusinho, foi morto a tiros em um confronto com a Brigada Militar no começo de fevereiro e engrossou a trágica estatística das mortes provocadas pelo conflito entre facções rivais.
Matheusinho foi morto na Avenida Protásio Alves, Vila Jardim. A presença dele naquela região comprovou, segundo a polícia, o elo entre os V7 e traficantes da Vila Jardim.
Essa aliança é o núcleo da guerra contra a facção dos Bala na Cara.
– São crimes que fogem da característica do tráfico de drogas, porque não são execuções de usuários ou disputas por pontos de tráfico, mas crimes de ódio, por vingança entre esses grupos rivais. Isso explica tantos tiros contra pessoas que muitas vezes não têm relação com a criminalidade. O objetivo não é tomar o território inimigo, mas atingir a área desse inimigo – avalia o delegado Mario Souza.
A morte de outro jovem, Leonardo Pereira dos Santos, o Léo Samuka, 18 anos, no dia 3 de janeiro, é considerada o estopim dessa guerra, que mostrou a sua face mais violenta duas semanas depois, quando Jéferson de Oliveira Lapuente, 22 anos, foi decapitado e teve a cabeça jogada no Bairro Bom Jesus. Morador do Bairro Mario Quintana, ele seria integrante dos Bala na Cara.
A partir dali, os ataques e contra-ataques somam 62 assassinatos, segundo o levantamento do Diário Gaúcho. O número representa cerca de 10% de todos os homicídios na Região Metropolitana em 2016.
Na Papeleiros, as armas da guerra
A operação teve um primeiro passo dois dias antes. O Denarc apreendeu 2kg de maconha e material suficiente para preparar 3 mil pedras de crack em um galpão de reciclagem no loteamento Santa Terezinha, a Vila dos Papeleiros, Centro da Capital.
As principais apreensões, no entanto, foram de uma pistola 9mm e de um adaptador usado para transformar a pistola em uma submetralhadora 9mm. Cinco pessoas foram presas nessa ação.
A Vila dos Papeleiros é considerada pela polícia um dos redutos aliados aos Bala na Cara. Por ali, acreditam os investigadores do Denarc, estaria a entrada de armamento pesado para a quadrilha. Em março do ano passado, na Operação Mito, foram apreendidos dois fuzis 5.56, três metralhadoras 9mm, uma espingarda calibre 12 e uma pistola 9mm naquela vila.
O arsenal era usado pela quadrilha, e o responsável pelas armas, ainda preso, é apontado como homem de confiança de Nego André.
As mortes no confronto Bala X Anti-Bala
///A guerra conflagrou principalmente quatro bairros de Porto Alegre: Bom Jesus, Vila Jardim, Jardim Carvalho e a região da Vila Cruzeiro.
/// 62 pessoas foram mortas em crimes supostamente relacionados ao confronto até a metade de junho.
/// 55 das vítimas entre os quatro bairros conflagrados.
/// 2016: 62 mortes (Bom Jesus: 7, Vila Jardim: 17. Jardim Carvalho: 10, Vila Cruzeiro: 21).
/// 2015: 26 mortes (Bom Jesus: 8, Vila Jardim: 2, Jardim Carvalho: 8, Vila Cruzeiro: 8)2014 _ 16 mortes (Bom Jesus: 5, Vila Jardim: 5, Jardim Carvalho: 2, Vila Cruzeiro: 4)2013 _ 20 mortes (Bom Jesus: 9, Vila Jardim: 1, Jardim Carvalho: 4, Vila Cruzeiro: 6)2012 _ 31 mortes (Bom Jesus: 12, Vila Jardim: 2, Jardim Carvalho: 5, Vila Cruzeiro: 12)2011 _ 21 mortes (Bom Jesus: 5, Vila Jardim: 2, Jardim Carvalho: 2, Vila Cruzeiro: 12).