Opinião
Carlos Etchichury: "Ministro da Justiça insiste em estratégia contra as drogas que não funciona"
Colunista do Diário Gaúcho
A política de guerra às drogas mostrou-se incapaz de conter a espiral violenta patrocinada por quadrilhas que disputam a hegemonia da produção e distribuição de entorpecentes em diferentes cantos do planeta.
Diante da falência, a Comissão Global de Políticas Sobre Drogas, órgão ligado a ONU, tornou público, em junho de 2011, um documento firmado pelo ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, por ex-presidentes do México, da Colômbia, da Suíça, por escritores como Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes, e pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, que alertava: "A guerra global contra as drogas fracassou, deixando em seu rastro consequências devastadoras para pessoas e sociedades em todo mundo… os imensos recursos gastos na erradicação da produção, repressão aos traficantes e criminalização dos usuários não foram capazes de reduzir a oferta nem de reduzir o consumo de drogas".
As constatações eram óbvias, mas o óbvio precisava ser dito. O relatório de 24 páginas, elaborado pela comissão presidida por FHC, apresentava ainda cinco recomendações:
1 - Acabar com a política repressiva e ineficaz de criminalização, marginalização e estigmatização de pessoas que usam drogas, estimular governos.
2 - Estimular governos a experimentarem modelos de regulamentação legal de drogas com o objetivo de enfraquecer o poder do crime organizado e preservar a saúde e a segurança dos cidadãos.
3 - Oferecer serviços e saúde e tratamento para todos que deles necessitam, criando políticas de redução de danos com distribuição de seringas.
4 - Investir em atividades voltadas para prevenir o uso de drogas por jovens.
5 - Enfrentar o desafio de por em marcha um processo de transformação do regime global de proibição das drogas.
A partir daquelas linhas gerais, oxigenou-se o debate. Países como o Uruguai, EUA, Canadá e Portugal evoluíram descriminalizando o consumo, disciplinando a venda, autorizando a produção de maconha.
No Brasil, porém, as recomendações da ONU tiveram impacto quase zero. Mesmo presenciando o assassinato de mais de 50 mil pessoas, todos os anos, a maioria jovens, pardos e pobres, a sociedade brasileira continua apostando na repressão. O resultado é mais sofrimento e mais perdas.
Só no Rio, uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes identificou, entre 2009 e 2013, 230 mil mortes provocadas pelo combate ao tráfico. Em Porto Alegre, a disputa de facções fez os homicídios crescerem 84,6% nos últimos seis anos.
Respaldados pela extemporânea Lei de Drogas, aprovada em 2006, polícias seguem empilhando supostos traficantes em prisões superlotadas – detentos por tráfico, que antes representavam 15% da massa carcerária, hoje são quase 30%.
Diante deste cenário, o que o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, propõe? Erradicar o comércio e o uso de maconha no país, em parceria com governos do Paraguai, da Bolívia e do Peru. Ora, os EUA empregaram bilhões de dólares no Plano Colômbia, no começo dos anos 2000, e os resultados foram questionáveis. Como se sabe, além de não erradicar a produção da pasta de cocaína na selva colombiana, cartéis continuam enviando toneladas da mais pura coca para consumidores norte-americanos.
Moraes insiste em uma estratégia que não funcionou, e que tem tudo para fracassar. Seria motivo de piada a proposta do ministro, não fosse uma solução que, provavelmente, tenha como consequência mais mortes.