Corações nada solitários
Esposa faz homenagem ao falecido marido que ela conheceu por meio dos Corações Solitários do Diário Gaúcho
Eronilda lembra com carinho os 15 anos que passou com Carlos — que morreu em outubro por complicações decorrentes de uma cirrose hepática
A história de amor da ascensorista aposentada Eronilda Duarte Ferreira, 59 anos, e do pintor Carlos Eduardo Sommer, 54 anos, moradores do bairro Sarandi, em Porto Alegre, é digna de filme — e o Diário Gaúcho também é personagem. Em 24 de setembro de 2001, o perfil dela foi publicado na seção Clube dos Corações Solitários.
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Agora, Eronilda lembra com carinho os 15 anos que passou com Carlos — morreu em outubro por complicações decorrentes de uma cirrose hepática. A família relembra sua história em homenagem a Carlos Eduardo.
O ano de 2001 foi um período difícil na vida de Eronilda. Sua mãe, que estava debilitada depois de sofrer um derrame, precisava de sua atenção integralmente, e ela se sentia bastante solitária. Foi então que decidiu procurar o Diário Gaúcho. Pouco tempo depois de ter seu perfil publicado nos Corações Solitários, em setembro, recebeu diversas ligações.
Mas foi só dois meses depois, quando Carlos Eduardo ligou, que ela percebeu que algo especial poderia acontecer. A "voz de locutor" conquistou não só Eronilda, como a sua mãe, que conheceu- o somente pelo telefone.
Confira o texto publicado por Eronilda no jornal em 2001 na seção Corações Solitários:
"Quero conhecer homem de 40 a 55 anos, viúvo ou solteiro, romântico, humilde, sincero, trabalhador, sem vícios, que queira ser feliz e goste de dançar. Sou sarará, solteira, sem filhos. Tenho 43 anos, 78kg, 1,62m."
"Boa índole"
Ambos eram solteiros. Eronilda decidiu marcar o primeiro encontro no shopping de Cachoeirinha — ela temia que o pretendente não fosse de boa índole e, por isso, preferiu um local público:
— Logo depois do primeiro encontro, ele já mandou uma mensagem por telefone me pedindo em namoro. Como a minha mãe tinha piorado, não aceitei na hora. Mas, pouco tempo depois, já estávamos juntos.
Mala e cuia
A aposentada conta que foram três horas de uma conversa animada. Sentados em um bar, contaram um pouco sobre suas experiências de vida e, desde o primeiro contato, Eronilda viu que Carlos era quieto e reservado. Na época, ele morava em Cachoeirinha com a irmã, mas logo mudou-se para Canoas.
Em dezembro de 2001, a mãe de Eronilda faleceu. Cinco meses depois, Carlos Eduardo entrou de mala e cuia para a sua vida. Mesmo depois de tantos problemas, aos 42 anos, a aposentada começava uma nova etapa da sua vida.
Família completa com a chegada de Luiz
Além da novidade de estar vivendo com Carlos Eduardo, em 2002, a vida de Eronilda ganhou outro novo contorno: a partir dali, ela teria um filho. Um menino lindo, com cinco anos, chamado Luiz Carlos.
A moradora da zona norte de Porto Alegre foi apresentada ao garoto por uma velha conhecida de trabalho. A amiga de Eronilda tinha adotado dois irmãos de Luiz Carlos, cuja família biológica vivia em situação de vulnerabilidade social.
Certo dia, Eronilda esteve na casa da amiga, no bairro Partenon, enquanto Luiz Carlos visitava os dois irmãos adotados pela mulher.
— Foi amor à primeira vista para os dois — conta a aposentada, que conversou com o marido e, juntos, decidiram procurar o Conselho Tutelar para ver se conseguiriam adotar o pequeno.
Reconhecimento
Passaram-se dois anos até a situação ser totalmente legalizada. Então, no dia 6 de abril de 2004, a adoção foi reconhecida pela Justiça, e a guarda definitiva foi dada para Eronilda e Carlos. O período em que o menino viveu com o pai adotivo foi de intenso amor.
— Ele (Carlos) era muito carismático. Tinha muita empatia por todos. Nunca vou me esquecer: até nos seus 50 e poucos anos, se ele errava comigo, sentava perto e, com calma, me pedia desculpas — emociona-se Luiz Carlos, agora com 20 anos e, para orgulho de seus pais, cursando o segundo semestre de Biologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):
— Meu filho fica triste porque o pai não vai ver o homem que ele se tornou. O Carlos levava o Luiz para tudo: fazer as inscrições, todo o processo do vestibular. Era um paizão, um marido maravilhoso e um ser humano especial — relembra, entre lágrimas, Eronilda.
"Preocupado com todos"
Mesmo ainda abalada pela recente perda, Eronilda lembra dos ótimos momentos ao lado de Carlos:
— Foram 15 anos maravilhosos, fui muito feliz. Era um homem especial, se preocupava com todos ao redor, muito mais do que com ele mesmo. Muito quieto, estava doente desde 2011, mas não contou para ninguém.
A aposentada conta que o marido era também ativo na comunidade em que vivia. Em uma votação popular, foi escolhido como conselheiro do posto de saúde da região e participava regularmente de decisões junto à Secretaria Municipal de Saúde.
— Foi uma oportunidade incrível que o Diário Gaúcho colocou na minha vida. Conhecer e viver com o Carlos durante todos esses anos foi muito especial — diz Eronilda.
*Produção: Leticia Gomes