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Assistência social

Salas abafadas, falta de material e capina por fazer: Conselho Tutelar de Porto Alegre pede socorro

Reportagem mostra casos de constrangimento para conselheiros e moradores, especialmente em áreas de periferia

03/11/2018 - 08h00min


Felipe Bortolanza
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Robinson Estrásulas / Agencia RBS
Expedientes antigos estão largados em puxadinho no Sarandi

Atendimentos em salas abafadas, banheiros sem maçaneta, imóveis improvisados, crianças sem locais adequados e pátios com cara de mato. Assim são recebidos muitos cidadãos de Porto Alegre que precisam de auxílio em alguma sede do Conselho Tutelar.

Após ouvir inúmeras reclamações por parte de leitores, o Diário Gaúcho visitou unidades nos quatro cantos da Capital. E constatou casos de constrangimento para conselheiros e moradores, especialmente em áreas de periferia. A prefeitura admite problemas, atrasos em pagamentos de aluguel e luz, mas prevê dias melhores para 2019.

No Sarandi, cara de almoxarifado

Robinson Estrásulas / Agencia RBS
Porta interditada e com estacas

A conselheira Marília Conceição, da microrregião 2, no Sarandi, convida a reportagem para entrar na sua sala. Que é a mesma de outros dois colegas. Mas eles pouco se veem, uma vez que o local parece um almoxarifado: há pilhas de documentos e caixas de papel sobre as mesas e no chão. Cochichando, Marília afirma:

— Esse não é o maior problema. Estamos num lugar de passagem desde o último alagamento, em 2017. Como estamos ao lado de uma sala de atendimento, atrapalhamos a conversa com a família se falarmos em tom normal.

Assim a conselheira foi revelando graves deficiências no Conselho Tutelar (CT) que atua na região norte da Capital, a mais populosa (cerca de 300 mil pessoas) e carente da cidade. O imóvel é da prefeitura e servia como posto para a Brigada Militar. Só há uma porta: a outra está interditada (com escoras e compensado) após uma tentativa de furto.

— A falta de privacidade é constrangedora. Não há sala de espera. Adultos e crianças ficam num corredor estreito, sem espaço kids. É fácil ouvir os assuntos que deveriam ser tratados em sigilo — conta o conselheiro Josué Allemane.

Marília completa:

— Dois familiares já saíram no soco ao discordar das versões ouvidas um do outro. A população tem direitos violados e dá nisso.

Além da dificuldade de prestar o atendimento, há risco para as pessoas. Como o prédio é velho, a fiação é antiga. Quem instalou os dois aparelhos de ar-condicionado avisou: não é recomendável usá-los. Há perigo de sobrecarga elétrica. Mas como o ambiente é abafado, a refrigeração é quase uma necessidade básica. Os conselheiros fizeram uma vaquinha e completaram a fiação (não havia tomada perto do aparelho).

— E quando chove, verte água do teto em alguns lugares. Essa combinação de água e fiação é muito perigosa — admite Marília.

Outra reclamação dos conselheiros é de que apenas agora, ao final do terceiro ano do mandato, a prefeitura os chamou para um curso de capacitação (32 horas). Segundo a Constituição, porém, cursos deveriam ser constantes. Marília lamenta:

— Cuidamos da comunidade e ninguém nos cuida.

No Partenon, faltam material e capina

André Ávila / Agencia RBS
Com mato alto, quem vê de fora pensa que se trata de um lugar abandonado

A precariedade na manutenção da microrregião 4, no Partenon, é visível da rua. A casa, que fica num terreno elevado, praticamente some se olhada do portão. No dia em que a reportagem visitou o local, o mato no pátio beirava 1m de altura. A placa indicando se tratar do Conselho Tutelar está envolta por uma planta trepadeira.

— Aranhas aparecem a toda hora. Inclusive alguém disse ter visto um escorpião amarelo. Imagina o perigo que as crianças correm aqui — exclama Joel Ribeiro, coordenador-geral dos conselheiros tutelares da Capital.

A capina, segundo os funcionários, não aparece desde abril. Sete protocolos já foram abertos para executar o serviço e nada. Como o imóvel é da prefeitura (acolhe também um posto da Guarda Municipal), aparentemente apresenta melhores condições estruturais, como salas mais ventiladas e iluminadas, além de um espaço razoável para as crianças se entreterem enquanto os adultos aguardam por atendimento.

Porém, até pouco tempo atrás, os conselheiros penavam para executar as tarefas relativas aos expedientes gerados a cada atendimento. Joel conta que, certa vez, não escondeu a penúria:

— A gente passou um período sem folhas para fazer nosso trabalho. O jeito era reutilizar papéis. Um dia, comecei um ofício escrevendo: "Caro juiz. Não repare na folha que estamos enviando nosso pedido. Estamos sem reposição de material..."

Se o estoque de material parece ter se normalizado, a preocupação agora é não repetir os períodos de agrura em 2019.

Na Restinga, mudança de endereço virou novela

Félix Zucco / Agencia RBS
Pouca ventilação e paredes mofadas em prédio locado e com histórico de atraso no aluguel

Além da falta da estrutura ideal, na Restinga, um dilema toma conta da região. Como o prédio é locado e o recente histórico é de atraso no aluguel, a mudança de endereço virou novela. 

Em julho, a secretária municipal de Desenvolvimento Social e Esportes, Denise Russo, garantiu ao Diário Gaúcho que a saída era iminente: 

— Precisamos ter mais agilidade nesta questão.

A intenção era deslocar o CT para a sede dos Centros de Relação Institucional Participativa (Crip), a menos de 1km de distância. Passados quase quatro meses, nada mudou.

— O projeto está em andamento. A arquiteta fez todos os estudos e teremos de fazer adaptações no prédio. A Tinga está entre as prioridades — afirmou Denise.

Enquanto isso, nenhuma manutenção foi feita. Por ter sido um banco, o espaço tem poucas janelas e o mofo toma conta das paredes. O telhado parece uma peneira em dias de chuva forte. 

— A gente não dá conta das goteiras. É um perigo para a criançada — conta  Vagner Tavares, um  conselheiro.

O banheiro não tem ventilação — fica no local onde era o cofre. Também não tem maçaneta, constrangendo que precisa usar o espaço apertado e malcheiroso. Na Tinga, a novidade em quatro meses foi a troca de pontos de iluminação.

Na Lomba do Pinheiro, sede é um porão sem janelas

Fernando Gomes / Agencia RBS
Escuridão e bebedouro estragado

Na Lomba do Pinheiro, a microrregião 9 do Conselho Tutelar, que atende uma das maiores regiões de Porto Alegre, sofre com problemas semelhantes aos demais. Com um agravante: o espaço, alugado, é num porão, sem janelas. 

O ar entra apenas por acanhadas janelas basculantes nas salas de atendimento, que costumam ficar abafadas, especialmente em dias de calor. Aparelho de ar-condicionado? Apenas um funciona. O outro está comprometido há semanas.

— Entraram aqui durante uma madrugada e furtaram a fiação que garantia energia ao ar-condicionado. Até agora, não foi possível providenciar o conserto — revela a conselheira Cristiane Schirma.

Não bastasse a pouca verba vinda da prefeitura, o CT da Lomba é alvo frequente de criminosos. Dias atrás, levaram até o toldo que ficava sobre a única porta do local, conta Cristiane:

— Nem sombra mais temos na entrada do prédio.

Pior é quando falta luz por falta de pagamento por parte da prefeitura. Neste semestre, a conselheira lembra de duas ocasiões. E por ser um porão mal iluminado por natureza, a escuridão toma conta sem energia elétrica. Para não fechar a micro 

(a luz por demorar até 48 horas para ser religada), conselheiros chegaram a atender moradores do lado de fora da sede.

— Conversamos na calçada, sem privacidade, uma situação constrangedora. Mas não podemos deixar de atender a casos urgentes — relembra Cristiane.

Além da luz, há relatos de corte do telefone. Com isso, moradores ficam impedidos de ligar a cobrar para o CT, dificultando a comunicação de situação graves ou inesperadas. E o aluguel? Também passou períodos atrasados. A reposição de material de escritório, hoje a contento, passou por um período crítico nos últimos anos.

Mas a falta de verba para manutenção do espaço continua grave:

— Tiramos dinheiro do nosso bolso para dar água à população, por exemplo — diz a conselheira Cristiane.

A secretária Denise argumenta que atrasos no pagamento dos serviços são casos isolados e resolvidos em questão de horas.

"Orçamento está apertado", afirma secretária

Em janeiro, o Conselho Tutelar trocou de mãos. Deixou a Governança e foi incorporado pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes. Denise Russo, responsável pela pasta, admite as agruras nas micros, mas argumenta que o Conselho Tutelar sofre de abandono histórico. Por isso, solicitou ajuda a uma arquiteta para mapear os problemas:

— Alguns projetos já estão bem adiantados, como na Restinga. A questão principal é que o orçamento está apertado em todas as áreas.

Denise revela que solicitou um incremento de verba para a sua secretaria para 2019. A Lei Orçamentária Anual (Loa) está em debate na Câmara de Vereadores. 

— Aos poucos, vamos resolvendo questões básicas. Já fizemos um contrato de aluguel de impressoras para dar agilidade aos atendimentos — conta Denise.

Na semana que vem, os coordenadores das micros se reunirão para debater as prioridades.

— Esperamos que os problemas históricos das microrregiões sejam, enfim, resolvidos — espera Joel, o coordenador-geral dos conselheiros.

A estrutura

  • O Conselho Tutelar (CT) de Porto Alegre subdivide-se em 10 microrregiões, além da sede de plantão.
  • O CT atende situações de violação de direitos de crianças e adolescentes, vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.
  • Horário de atendimento das microrregiões: o Conselho Tutelar atende das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira. 
  • Entre 18h e 8h, assim como nos fins de semana e feriados, há atendimento em regime de plantão sempre com dois conselheiros na Rua Giordano Bruno, 335, bairro Rio Branco, próximo ao Hospital de Clínicas. Telefone: 3289-8485.
  • Nas terças-feiras, não há atendimento externo: conselheiros têm reunião para discussão de assuntos e encaminhamentos dos atendimentos. Porém, casos de emergências são atendidos.

Endereços

Micro 1: Ilhas, Humaitá e Navegantes
Rua Dr. João Inácio, 549 (Navegantes)
Telefone: 3289-8498 

Micro 2: Sarandi, Zona Norte
Rua Amparo, 30 (Sarandi)
Telefone: 3289-8466

Micro 3: Zona Leste
Rua São Felipe, 140 (Bom Jesus)
Telefone: 3289-8460

Micro 4: Partenon
Rua Manoel Vitorino, 10 (Partenon)
Telefone: 3289-8455

Micro 5: Glória, Cruzeiro e Cristal
Avenida Professor Oscar Pereira, 2.603 (Glória)
Telefone: 3289-8488

Micro 6: Centro/Sul
Rua Engenheiro Coelho Parreira, 585 (Ipanema)
Telefone: 3289-8440

Micro 7: Restinga
Rua Eugênio Rodrigues, 2.249 (Restinga Nova)
Telefone: 3289-8475

Micro 8: Centro
Rua Jerônimo de Ornelas, 161 (Rio Branco)
Telefone: 3289-8484

Micro 9: Lomba do Pinheiro
Estrada João de Oliveira Remião, 5.336 (Lomba do Pinheiro)
Telefone: 3289-8452

Micro 10: Nordeste, Eixo Baltazar
Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, 2.132 (Rubem Berta)
Telefone: 3289-8445

Plantão
Rua Giordano Bruno, 335, bairro Rio Branco (próximo ao Hospital de Clínicas)
Telefone: 3289-8485

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