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Sofrência 

A dura rotina sob o calorão nos ônibus sem ar-condicionado em Porto Alegre

Apenas 37% dos coletivos da Capital têm o equipamento; dentro dos veículos, temperatura é um pouco mais alta do que na rua

29/01/2019 - 19h46min

Atualizada em: 26/09/2019 - 17h31min


Jéssica Rebeca Weber
Jéssica Rebeca Weber
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Carlos Macedo / Agencia RBS
Dentro dos veículos, temperatura estava cerca de 2°C a mais do que na rua

Depois de um dia de calorão e de esperar pelo ônibus espremido na sombra de uma parada de zinco, tudo o que o trabalhador quer é passar pela catraca do coletivo e desfrutar de uma viagem para casa com temperatura agradável. Em Porto Alegre, a probabilidade de se concretizar essa ideia de "paraíso" — definição do metalúrgico aposentado Joacir Freitas Teixeira, 56 anos — não passa de 37%.

A frota total da Capital é de 1.620 ônibus urbanos. Apenas a Carris, única estatal entre as cinco empresas de ônibus que operam na Capital, tem mais da metade da frota com ar-condicionado. O Consórcio Via Leste tem apenas um quarto dos coletivos com climatização — são 47 de 186. 

Com passagem a R$ 4,30 e perspectiva de aumento em breve (empresários querem R$ 4,78), usuários reclamam de falta de conforto, sofrendo até mais dentro do coletivo do que na rua. GaúchaZH levou um termômetro para dentro dos ônibus nesta segunda-feira (29), constatando que a diferença é de aproximadamente 2°C para mais. Chegamos a registrar temperatura de 37,8°C dentro de um 195 - TV a caminho do Centro Histórico e 38,2°C em um 250 - 1 de maio, no meio da tarde, a caminho do bairro Azenha

Marlene de Oliveira, 69 anos, relata que, se entra num ônibus quente (o que "geralmente acontece"), ela se sente mal por causa da asma e de sua falta de ar. Dora dos Santos sempre leva água gelada dentro de uma garrafa térmica e um leque para se abanar. Mas a costureira aposentada, de 80 anos, preocupa-se com os funcionários das empresas de transporte público ainda mais do que com os passageiros: 

— Sinto pelo cobrador e pelo motorista. Imagina passar o dia inteiro assim. 

O estudante Mikael Barth, 17 anos, reparou que a Prado costuma ter mais coletivos com ar-condicionado e organiza seu retorno para pegar essa linha. Mas nem todos podem fazer a seleção. Lucas Schenk, 32 anos, já chega no trabalho, na Avenida Bento Gonçalves, suado e cansado. A bordo de um 344 - Santa Maria, o técnico em informática não esconde a indignação: 

— É horrível. Andar nesse calor em ônibus sem ar, pelo preço que se paga de passagem, é absurdo. 

Carlos Macedo / Agencia RBS
Alta temperatura das paradas se repete dentro dos coletivos; muitas vezes, é agravada

O caixa aposentado Derli Lima Guterres, 69 anos, vivia uma desagradável ironia nesta segunda: foi até o Centro para tentar consertar seu único ventilador. Além de não conseguir resolver o problema na assistência técnica, foi e voltou em ônibus sem ar-condicionado, com o suor escorrendo pela testa e peito — a camisa estava encharcada.

— A gente se sente prejudicado — queixa-se. 

Também há relatos de que, quando há ar-condicionado, algumas vezes está quebrado ou não é utilizado. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) afirma que, somente em janeiro deste ano, ocorreram 22 autuações por ar-condicionado inoperante nos ônibus da Capital. As empresas são notificadas e os veículos encaminhados para regularização — só voltam a operar após os reparos necessários, de acordo com o órgão.

De acordo com um decreto de 2017, os ônibus que possuem ar-condicionado deverão ligar o equipamento sempre que a temperatura ambiente interna passar dos 24ºC. O usuário pode denunciar pelo número 118 o nome da linha, o prefixo e a data.

Em dois anos, poucos ônibus novos 

Em 2016, com o lançamento do "Novo Sistema de Transporte de Porto Alegre" — resultado da primeira licitação do transporte público da Capital —, foi divulgado que, em 10 anos, todos os ônibus deveriam ter ar-condicionado.  Essa evolução ocorreria gradativamente em razão da renovação da frota.  

Mas em 2017 não houve compra de ônibus e, em 2018, apenas a Mob colocou veículos novos para rodar. 

Segundo Gustavo Simionovschi, diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), lei de 2018 determina que  8,3% da frota seja renovada todos os anos. Mas ressalta o prejuízo que as empresas têm enfrentado. 

— Estou com um contrato desequilibrado. O edital (do novo sistema, de 2016) estabelecia 17,8 milhões de passageiros pagantes por mês.  Ano passado, tivemos 14,1 milhões. A gente tem prejuízo acumulado, desde a licitação fevereiro de 2016, de R$ 137 milhões. 

Gustavo afirma que as empresas são favoráveis à qualificação do sistema de transporte coletivo e concorda que o ar-condicionado é importante, mas ressalta que a qualidade implica em custo. Segundo ele, se tivesse ocorrido a renovação de 8,3% da frota com veículos com ar-condicionado isso representaria R$ 0,08 a mais na tarifa. Se as empresas instalassem o equipamento em toda a frota já utilizada, custaria R$ 0,50 a mais. 

Carlos Macedo / Agencia RBS
Sem ar-condicionado nos veículos, leques atenuam sensação de abafamento

— Tem que ir dosando, de uma forma gradual, não dá para jogar R$ 0,50 numa tarifa, além dos custos que já sobem, como o salário dos funcionários — diz, lembrando também que as empresas têm investido em câmeras de monitoramento e sistema de reconhecimento facial.

Para Gustavo, o resgate de usuários e a qualificação do transporte público passam por três pilares: encontrar outras fontes de custeio para pagar pelos passageiros isentos, tirar o ônibus do congestionamento (com corredores exclusivos, por exemplo) e desonerar o setor de transporte público. 


Porcentagem da frota com ar-condicionado: 

  • Consórcio Mob: 157 ônibus com ar-condicionado (36,01% da frota) 
  • Consórcio Viva Sul: 146 ônibus com ar-condicionado (31,40% da frota) 
  • Consórcio Via Leste: 47 ônibus com ar-condicionado (25,27% da frota) 
  • Consórcio Mais: 50 ônibus com ar-condicionado (26,74% da frota) 
  • Carris: 189 ônibus com ar-condicionado (60% da frota) 



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