Amigos da 497
Amizade que nasceu em linha de ônibus da Capital ultrapassa o trajeto do coletivo
Eles se encontram sempre no mesmo local e horário e dividem o trajeto de mais ou menos 50 minutos, todos os dias
– E aí, conseguiu trocar o chuveiro?
– Nossa, cortou o cabelo?
– Olha ela, veio até de saia hoje!!!
Os diálogos sobre coisas tão cotidianas não se passam no trabalho, na sala de casa ou numa roda de chimarrão. Eles são rotina entre os passageiros do ônibus 497, a linha Mario Quintana, todo dia pela manhã, em Porto Alegre. Faça frio ou calor, chuva ou sol, não importa, o clima é de descontração entre grande parte dos passageiros. Pudera: no mesmo local e horário, eles se encontram para fazer o percurso de cerca de 50 minutos entre o bairro até o trabalho ou a escola.
Os cerca de 15 passageiros formaram um laço de amizade tão forte, que passou a catraca e foi parar fora do busão. O grupo no WhatsApp Amigos da 497 troca informações, fotos e piadas. Quando um não faz a viagem, alguém já pergunta o que aconteceu. Quando alguém está atrasado, já avisa um amigo para tentar segurar o ônibus. Quando alguém esquece um objeto no ônibus, outro guarda.
Amigo-secreto
Quase sempre no mesmo itinerário, a dupla formada pelo motorista Jeferson Oliveira de Almeida, 43 anos, e pelo cobrador Nilson da Silva, 57 anos, também faz parte da turma.
– Quando alguém mexe comigo e eu respondo "Hoje, eu não estou legal", já se sabe que foi porque o Grêmio perdeu – diverte-se Jeferson, que dirige um ônibus decorado com artigos do time do coração.
O grupo de amigos é formado por homens e mulheres, de todas as idades. Se encontram, fazem churrascos, batem papo sobre amenidades. No ano passado, teve até um amigo-secreto de final do ano dentro do coletivo.
– No amigo-secreto, uma das passageiras estava doente. Mas ela veio igual. Pegou o ônibus, revelou o amigo e voltou para casa – conta a professora Gislaine Madruga, 45 anos.
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Clima de descontração
As pessoas se conhecem pelo nome, sabem onde trabalham, se respeitam. Há quem não goste da fuzarca. Mas a verdade é que o clima de descontração torna a viagem menos cansativa, mesmo quando o trânsito carregado da manhã insiste em deixar tudo mais lento.
– Faço isso porque gosto do meu trabalho. Venho feliz! – explica Jeferson.
Na manhã em que a reportagem embarcou no busão, o instalador de acessórios Edson Roberto da Silva, 44 anos, aproveitou o lanche feito pela esposa Viviane para dividir um pouco do pão de casa com o motorista e o cobrador. Algumas vezes, segundo ele, rola até um cafezinho. Jeferson, o motorista, também aproveitou para devolver a sacola com uniforme esquecida pelo supervisor Carlos Alberto Roxo, 53 anos, no dia anterior.
Enquanto a viagem seguia, num banco próximo, a saladeira Patricia Fernandes, 45, retocava a maquiagem em meio a muitas histórias e risadas proporcionadas pela diarista Darcy de Oliveira, 49 anos.
No final do trajeto, no Terminal Azenha, na Avenida Bento Gonçalves, a galera se despede e segue a vida normalmente. No dia seguinte, eles sabem, os Amigos da 497 estarão lá, para dividir um pouquinho da rotina, outra vez.