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Luta por inclusão

Estudante gaúcho surdo batalha para ter um intérprete nas aulas da Universidade Federal de Santa Catarina 

 Aluno já recorreu à ouvidoria da instituição e ao Ministério Público Federal, mas o problema ainda não foi solucionado

26/04/2019 - 07h52min

Atualizada em: 26/04/2019 - 09h11min


Larissa Roso
Larissa Roso
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Aline Custódio
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Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Guilherme depende de um profissional para auxiliá-lo a entender os conteúdos expostos pelos professores

Aos 20 anos, Guilherme Rodrigues Andariola está realizando um sonho – mas pela metade. Aprovado para Ciências da Computação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o estudante, natural de Giruá, no Rio Grande do Sul, é surdo profundo de nascença e, desde o início do semestre, não conta com um tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em sala de aula. Como não usa aparelho auditivo nem sabe fazer leitura labial, Guilherme depende de um profissional para auxiliá-lo a entender os conteúdos expostos pelos professores, direito garantido por lei. O aluno já recorreu à ouvidoria da universidade e ao Ministério Público Federal, mas o problema ainda não foi solucionado. 

Já são quase dois meses em que o graduando, único surdo em uma turma de ouvintes, tenta driblar a deficiência para não ficar para trás nas disciplinas em que está matriculado – do total de cinco, ele relata não estar conseguindo acompanhar três. Como não entende o que os docentes ou os colegas falam, recorre a livros e a vídeos no YouTube. Nas outras duas cadeiras, que são práticas, vem se saindo melhor. Guilherme conversou com GaúchaZH via WhatsApp, por escrito – a língua portuguesa é como se fosse seu segundo idioma, além de Libras. O jovem enfrenta dificuldades para se expressar em alguns momentos, mas seu discurso é compreensível.  

— Se eu tenho dúvida sobre os exercícios, chamo um professor, e aí ele escreve para mim — conta o estudante, que está morando com parentes em Florianópolis. — Só estou preocupado nas provas. Um professor vai refazer uma prova para mim. Só está esperando ter intérprete. 

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Em Giruá, onde Guilherme vivia até se mudar para o Estado vizinho, a família está preocupada – especialmente a mãe, Seniria de Fatima Rodrigues Andariola, 47 anos, que chora muito, imaginando as dificuldades do segundo de seus três filhos. No Ensino Fundamental, o garoto frequentou uma escola para surdos e, no Ensino Médio, contava com tradutor/intérprete em uma instituição regular. Ele poderia ter tentado o curso superior que desejava no campus de Santa Rosa do Instituto Federal Farroupilha (IFF), mas seu desejo era a UFSC, onde ingressou por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). 

— A gente ficou feliz e triste porque era longe, mas era o que ele queria — afirma Seniria, que mantém uma microempresa de refrigeração com o marido. 

Na matrícula, conforme requerimento da universidade, a irmã mais velha de Guilherme, a bacharel em Direito Bruna Andariola, 24 anos, apresentou atestado e laudo assinados por especialistas, confirmando o quadro de saúde do novo ingressante – as consultas, ao custo de cerca de R$ 300, foram realizadas na rede privada, para que os prazos fossem cumpridos a tempo, e obrigaram a família a despender uma fatia importante do orçamento doméstico. Quando as dificuldades se apresentaram, já com as aulas em andamento, Seniria procurou a coordenação da faculdade e até o reitor. 

— Meu Deus. Quase perdi o chão. Estou me sentindo péssima, impotente. Tudo o que ele quis ele sempre conseguiu, mas agora é uma barreira muito grande — desabafa a mãe. 

No feriadão de Páscoa, Guilherme viajou a Giruá. Seniria acreditava que o filho desistiria da empreitada até aqui não muito bem-sucedida e permaneceria na cidade natal.

— Não posso desistir do meu sonho. Faço isso também pela comunidade surda — justifica o universitário. — É absurdo e irresponsável que não tenham intérprete. 

De acordo com a família Andariola, a UFSC alegou que Guilherme é o primeiro aluno surdo de Ciências da Computação, e que não há um profissional versado no vocabulário específico da área que possa ampará-lo. Quanto à reclamação encaminhada à ouvidoria da UFSC, a instituição respondeu, em 9 de abril, que "considerando as demandas de tradução e interpretação de Libras/Português desta universidade, reafirmamos a impossibilidade de atendimento a essa disciplina e reiteramos a solicitação de contratação de mais profissionais tradutores e intérpretes como uma solução para essa questão". 

Inconformado, Guilherme procurou o Ministério Público Federal (MPF) no dia 12 deste mês. A solicitação do estudante chegou às mãos do procurador da República em Santa Catarina, Marcelo da Mota. Quatro dias depois, o procurador oficiou o reitor da UFSC, Ubaldo Cesar Balthazar, a responder até 2 de maio sobre a disponibilidade de um tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em sala de aula. Em caso de não cumprimento do prazo, o MPF pode, entre outras ações, ingressar com uma ação civil pública contra a universidade.

"É uma situação totalmente incomum", diz universidade

Procurada por GaúchaZH, a UFSC respondeu, por meio do chefe de gabinete do reitor, Aureo de Moraes, que reconhece a situação e está tentando resolvê-la. Segundo Moraes, a universidade tem apenas 12 tradutores e intérpretes contratados que precisam atender as turmas do curso de Letras/Libras, as formaturas e outras situações particulares dentro da instituição, como acompanhar um estudante surdo numa consulta médica. Para atender a nova demanda, a UFSC abriu uma licitação no final do ano passado que pretende contratar uma empresa prestadora deste tipo de serviço. A licitação está em andamento e tem previsão de ser finalizada ainda neste semestre. 

— Não estamos ignorando o direito do aluno, mas é uma situação totalmente incomum. Não tínhamos profissionais disponíveis em outros cursos porque não existia esta demanda por eles — justifica o chefe de gabinete. 



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