"Biblioteca refrigerada"
Após ter obras furtadas, geladeira com livros é reinaugurada em praça do bairro Petrópolis
Espaço no Largo Dr. Adayr Figueiredo foi reabastecido por meio de doações depois de ter sido atacado, menos de 48 horas após ser aberto ao público, no início do mês
Sentar em um banco à sombra de uma árvore, abrir a geladeira e consumir um bom livro. Em um canto do Largo Dr. Adayr Figueiredo, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, o distinto programa literário é possível. Desde o início de setembro, dezenas de obras são conservadas em um refrigerador, instalado por um grupo de moradores que se intitulam "amigos da praça".
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— Queríamos trazer para quem frequenta a nossa pracinha o aprendizado, o prazer de ler. Pesquisamos e copiamos a ideia — diz Camila Malabarba, 34 anos, uma das organizadoras da iniciativa.
A ideia nasceu em uma das feiras semanais realizadas no gramado bem cuidado da praça. O móvel sem uso foi entregue ao grupo pelo servidor Vitor Alcântara, que não vive no bairro, mas soube da necessidade dos voluntários e se uniu à corrente de solidariedade. Para expor no local, em vez de pagar uma inscrição, os feirantes fazem uma doação e, a cada mês, uma entidade diferente é beneficiada.
Dois dias após a inauguração da geladeira, contudo, o sorriso hoje demonstrado pela assistente administrativa se fechou. A "biblioteca refrigerada" foi esvaziada por quem não possui o espírito colaborativo.
— Foi muito triste. Minha filha de três anos olhou e disse: "Mas a gente recém encheu ela, mãe". E chorou. Foi logo nas primeiras 48 horas que a gente instalou ela aqui — relembra.
O equipamento foi reabastecido por meio de novas doações, no dia seguinte ao ataque. Com ajuda de um chaveiro da Avenida Vicente da Fontoura — ao lado da praça —, cadeados foram instaladas, e um horário para funcionamento determinado: das 7h às 19h.
Com o vandalismo, a parte onde originalmente ficava o freezer teve a bandeja arrancada. Um isopor foi colocado pelos moradores para servir como estante para os livros.
Revestida com tons de toda a palheta de cores, a geladeira tem nas laterais uma dezena de cartazes, que flertam com expressões de um perfeito jogo de palavras: "Não deixe a cultura na geladeira! Abra e devore!" e "Você tem fome de que?". Os adesivos são de autoria do designer gráfico Kleber Gomes, também voluntário na ação.
Recheada de romances, histórias e livros didáticos, há até uma seção de leituras obrigatórias para o vestibular da UFRGS. E os frequentadores da minilivraria pedem mais.
— Pediram para colocarmos giz e caneta colorida, porque as crianças pegam muito livro infantil — conta outro voluntário, o porteiro Paulo Barbosa, 36 anos.
De premissa colaborativa, a porta do refrigerador disciplina quem pretende devorar os exemplares: "Leia e devolva!".
Com trocadilhos inteligentes, as frases parecem ter saído de uma obra de Luís Fernando Veríssimo: "Leve um livro, solte a mente. Deixe outro, me alimente". Ou provocativas, como os escritos de Moacyr Scliar: "Ler é aprimorar saberes. Você já leu um livro hoje?". E citações diretas: "O essencial faz a vida valer a pena" (Mário de Andrade) e "A vida é maravilhosa se não se tem medo dela" (Charles Chaplin).
Não há na biblioteca comunitária o rígido controle dos exemplares retirados.
— Todo mundo é livre, pode pegar e colocar outro de volta, ou entregar nas tardes de sábado aqui na feirinha — explica Camila, rejeitando construir uma tabela do estoque.