Seu Problema é Nosso
Atrasos na entrega de correspondência e falta de proteção viram rotina para carteiros
Empresa de Correios teve de dispensar milhares de funcionários que estão em grupos de risco
Um motivo mais poderoso e assustador se soma à redução de carteiros nos últimos anos para causar um baque na pontualidade dos Correios: o coronavírus. Em algumas regiões de Porto Alegre, as correspondências não são entregues há semanas, o que preocupa principalmente as pessoas mais idosas.
Desde o início da pandemia, na tentativa de reduzir o impacto, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT, como é conhecida oficialmente) mandou para teletrabalho, em casa, funcionários de grupo de risco ou que vivem com pessoas mais vulneráveis para à covid-19. Com isso, diminuiu o contingente de servidores na linha de frente do serviço, formada por carteiros
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O resultado é atraso constante na entrega de correspondências. Num prédio com 24 apartamentos do bairro Santa Cecília, o zelador João Carlos Ruberti informa que fazem mais de duas semanas que não aparecem os carteiros.
—As contas não têm sido entregues, o que é um problema, porque temos bastante gente idosa no edifício. Para eles é mais trabalhoso programar transferência bancária ou débito em conta. Estão acostumados na forma antiga. Aí é preciso olhar a conta na internet, anotar o código de barras, ir a um caixa eletrônico e cuidar para não errar nenhum número. Difícil, para quem tem mais idade — comenta Ruberti.
A reportagem contatou 12 pessoas em Porto Alegre. Oito afirmaram que toda a correspondência está atrasada há semanas. A historiadora Maria Lúcia Ricardo Souto, moradora da Cidade Baixa, por exemplo, ressalta que só encomendas estão sendo entregues no prédio onde ela reside, na Rua Sofia Veloso.
—A minha conta do cartão de crédito, que vem pelos Correios, não recebi. Ela sempre vem na primeira semana do mês, pois o pagamento é no dia 5, mas dessa vez fiquei a ver navios. Sorte que possuo o app do banco e paguei o que devia.
A publicitária Rosane Soletti Schuch, que mora na Rua Marquês do Pombal, diz que diminuiu o volume de correspondências, só chegam encomendas.
A reportagem contatou também um professor aposentado em São Paulo, Luiz Bersch, para saber se o fenômeno só ocorre no RS. Não.
— O Correio tem nos deixado muito inseguros, pois os boletos inúmeras vezes chegam depois do vencimento. Saudades daquela empresa que era um dos orgulhos da nação. Lastimável — reclama Bersch.
Duas outras pessoas de Porto Alegre, uma dentista no bairro Medianeira e um economista no Jardim Ipiranga, uma em Curitiba e uma no Interior gaúcho foram exceções e disseram que as contas estão sendo entregues.
A dificuldade em fazer entrega de correspondência é admitida pelo Sindicato dos Trabalhadores de Correios do RS, que representa cerca de 8 mil trabalhadores no Estado.
— A prioridade é para entrega de encomendas, que foi considerada primeira necessidade. Com correspondência, o usuário ainda tem alternativas, como a internet — pondera o secretário-geral do Sindicato, Alexandre dos Santos Nunes.
Ele acredita que pouco mais de 40% dos servidores está trabalhando, em decorrência das precauções com o coronavírus. Soma-se a isso a defasagem no número de funcionários – ele estima que seriam necessários pelo menos 900 carteiros a mais no Rio Grande do Sul. Eles representam 55% do total de servidores.
Nunes também se preocupa muito com a falta de equipamentos de proteção individual para os carteiros, que estão nas ruas. Ele diz que álcool gel tem sido distribuído nas estações de trabalho, mas às vezes falta. Pior ainda é a disponibilidade de máscaras antivirais: não existem em número suficiente para todos os empregados.
GaúchaZH localizou três entregadores dos Correios nas ruas de Porto Alegre. Nenhum deles estava com máscara. Eles pedem para não se identificar, com receio de represálias. D.R, com 23 anos de empresa, disse que não recebeu a proteção da empresa. O que ele carrega é álcool gel, uma bisnaga, porque lida direto com caixas empoeiradas.
— Correspondência a gente não têm entregue. Só caixas, mesmo. Tenho pena das pessoas, mas a quarentena levou a isso, né — comenta.
A entregadora P.F, também com 23 anos de Correios, diz que jamais recebeu máscaras e luvas. Com relação às entregas, ela não se preocupa tanto, porque usa álcool para se limpar. Mas tem muito receio do contato com pessoas e, sobretudo, com colegas de trabalho.
— Estou num veículo de entrega, sentada a meio metro do colega, que dirige. Nenhum de nós com máscara. Quem garante que não vamos pegar o vírus? — questiona.
O terceiro funcionário, M.S, com 25 anos de empresa, também só tem o álcool, mas já decidiu: vai comprar a primeira máscara que aparecer. Elas estão em falta nas farmácias e resta a ele torcer para não ter se contaminado.
CONTRAPONTO
O que informa a EBCT
A reportagem aguardou durante oito horas posicionamento da direção dos Correios. Foi questionado o número de correspondências em atraso, a falta de equipamentos de proteção para os servidores e qual providência pode ser tomada por quem tem correspondência atrasada. A EBCT mandou os seguintes esclarecimentos:
- A direção dos Correios assegura que não procede a informação de que milhares de funcionários estão afastados como precaução contra o coronavírus - conforme informou o Sindicato dos Trabalhadores dos Correios. O número de afastados não é informado pela empresa, nem o de correspondências com entrega em atraso. Os Correios asseguram que são casos pontuais.
- A empresa está atenta à proteção de empregados e clientes, com protocolos profiláticos disseminados, baseados nas orientações do Ministério da Saúde. Entre as medidas adotadas destacam-se: orientação a todos os empregados quanto aos cuidados básicos de higiene, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde; disponibilização de álcool gel 70% em locais próximos às estações de trabalho; intensificação de procedimentos de higienização e limpeza do ambiente e equipamentos.
- Para combate à propagação do coronavírus, foram dispensados empregados que se enquadram no grupo de risco e aqueles residentes com pessoas classificadas nesse mesmo grupo, o que demandou adequações na operação. Com isso, foi ampliado o prazo de entrega para alguns dos serviços, mas sem afetar a qualidade. Para apurarmos os supostos relatos de atraso na entrega, é necessário termos informações sobre o código do objeto postal ou endereço completo do destinatário para que a empresa possa tomar as providências pontuais, se couber.
- Algumas agências sofreram ajustes temporários no horário de funcionamento, sem prejuízo da continuidade e da oferta de serviços e produtos à população. Devido à capilaridade da rede de atendimento, a empresa adota alternativas de entrega como o envio dos objetos para uma unidade mais próxima do endereço do destinatário, para que seja realizada a retirada da encomenda.
O QUE FAZER
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) informa que queixas podem ser feitas pelos telefones 3003-0100 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 725 7282 (demais localidades), ou pelo site www.correios.com.br.