Personagem Farroupilha
Como vive um capataz sem os piquetes no Parque Harmonia
Frequentador do Acampamento Farroupilha há mais de uma década, Fabiano Saidler tem em sua casa um cantinho onde mantém os costumes gaúchos
Pisotear o barro, cheirar a fumaça, dormir embalado pela música tradicionalista. Esse era o cotidiano dos frequentadores do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho nos meses de setembro até 2019. Com o cancelamento dos eventos presenciais na porção de terra mais gaudéria de Porto Alegre, a “cidade cenográfica” ao lado da orla do Guaíba deixou de existir durante o mês farroupilha, fato que alterou a rotina de quem mudava até o CEP das correspondências no período, como brinca a professora Graciela Camerini Saidler, 49 anos.
— Eu já ia para a aula pilchada porque era da escola direto para o acampamento — relembra.
Graciela é casada com Fabiano Saidler, 45 anos — ele, motorista de janeiro a agosto, muda de profissão nos 30 dias seguintes, quando passa a caseiro do piquete do CTG Guardiões do Rio Grande, cargo que ocupa desde 2017. Na residência do casal, na Zona Sul, um espaço mantém arreios, cela, pelegos e outros utensílios decorativos que remontam aos galpões do Harmonia.
— Os meus amigos brincam que aqui dá até para sentir um pouco do cheiro de fumaça que tem lá no Harmonia — relata o capataz.
Os churrascos, aliás, passaram a ser mais recorrentes nos últimos dias, com a bandeira do Rio Grande do Sul pendurada em uma das paredes de madeira costaneira, ao lado da camisa com lenço ximango. Lapidado em uma tora no teto, o nome do quiosque entrega outra preferência do gaúcho: “Recanto Trago na Mão”, sem especificar qual a bebida manuseada — entre 7h e 8h desta terça-feira (8), enquanto a reportagem de GZH acompanhou a nova rotina do capataz, ele bebia chimarrão.
No mesmo terreno vivem um casal de cunhados do caseiro e a sogra.
— É aqui que fazemos nossas aglomerações em família, porque ninguém pode sair — afirma o churrasqueiro.
Setembro e os festejos tradicionalistas têm, para Fabiano e Graciela, um significado ainda mais especial: à cavalo, o casamento dos dois ocorreu no Acampamento, em 2018, dois dias antes do feriado da Revolução Farroupilha.
— Quando completamos um ano de casados eu dei um cavalo para ele, que também foi usado na cavalgada — conta a educadora.
A neta, Martina, que completou um ano em março, foi batizada no ano passado no Acampamento, imersa no tradicionalismo desde os primeiros meses de vida.
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Sem a dedicação diuturna exigida para manter o piquete em ordem, até mesmo uma reforma foi iniciada na casa, algo antes impensável para esta época do ano.
— Lá no Acampamento a gente não tem tempo nem de respirar. Quando a gente para para dormir, começa a movimentação de caminhão do lixo, gente entrando e saindo dos bailes. É uma cidade movimentada — compara Fabiano.
Nesta segunda-feira (7), a Chama Crioula foi acesa e transportada até a 1ª Região Tradicionalista, o marco do início das celebrações. O fogo simbólico permanece no local até o dia 20 de setembro.
Já a programação do Galpão Universo Virtual, criado em substituição ao Acampamento Farroupilha, terá início no dia 13 de setembro e marcará a abertura oficial da Semana Farroupilha. Com o tema Gaúchos sem Fronteiras, os festejos contarão com transmissões ao vivo pelas páginas do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e do Eco da Tradição, no Facebook, e canal Eco da Tradição no YouTube. Haverá, ainda, um drive-in no dia 20, com o público dentro dos seus automóveis, no CTG Recanto Verde, em Boa Vista do Buricá, no noroeste do RS.
Com esperança do fim das restrições impostas pela covid-19, o caseiro planeja a ampliação da semana farroupilha em 2021. Para seis meses.
— Ah, ano que vem vai ser de junho a dezembro, para compensar — finaliza, enquanto ajeita o disco de entrevero.