Avenida vazia
Os efeitos do cancelamento dos desfiles em 2021 para quem vive do Carnaval
Pessoas envolvidas e que trabalham diretamente com a cadeia produtiva da festa na Capital contam como o próximo anos será desafiador sem a renda extra advinda do evento
Se a pandemia do coronavírus está deixando marcas em 2020, o próximo ano, mesmo num cenário pós-vacina, também deve ser marcado por consequências da doença que ainda assola o mundo. Um dos setores afetados em cheio em razão do isolamento social é o de eventos. No caso do Brasil, um dos mais importantes do calendário deve ser bem diferente em 2021. Trata-se do Carnaval.
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Em Porto Alegre, as escolas de samba já decidiram que não será possível desfilar no Complexo Cultural do Porto Seco. E com isso, além de toda a festa que deixa de acontecer, uma cadeia produtiva numerosa também acaba afetada pelo problema.
Neste ano, as agremiações sequer conseguiram iniciar planejamentos para os desfiles de 2021. Sem a possibilidade de abrir as quadras ao público para os ensaios, a renda foi consideravelmente afetada. No cenário da Capital, onde o apoio público é praticamente nulo e as escolas nadam cada ano mais contra a correnteza, os últimos meses conceberam mais um ano de luta. Só que o desafio segue em 2021. E quem dependia do Carnaval como forma de trabalho e obtenção de renda, já se prepara para atravessar o próximo ano sem o som do samba na Avenida.
Os relatos de quem trabalha com a festa
De seu ateliê no bairro Sarandi, Zona Norte, Sônia Maria dos Santos Lopes, 61 anos, lamenta a não realização do evento em 2021, mas acredita que foi a melhor decisão, diante do risco à saúde e da falta de tempo hábil para produzir os desfiles, já que os trabalhos só poderiam começar no ano que vem, muito próximos de uma possível ida à Avenida, que costuma ocorrer entre fevereiro e março.
— A pandemia estava trazendo essa incerteza sobre os desfiles. Eu cheguei a ter uma ponta de esperança, mas acho que é melhor pularmos este ano. Vamos nos focar para fazer com que o desfile seja ainda melhor em 2022 — projeta ela.
Dedicada ao ofício do corte e da costura, ela aposentou-se nesta profissão. Hoje, costura no pequeno ateliê instalado na casa que pertencia à sua mãe, Sueli Fabrício dos Santos — falecida aos 86 anos, em 2008. O Carnaval era a época que mais movimentava o espaço, com seu colorido e o agito de pessoas que Sônia costumava contratar para ajudar a dar conta da demanda. Agora, o sustento será obtido somente com os trabalhos informais de costura.
— Vou seguir como um trabalho meu, mas afeta quem trabalhava comigo também, pois esse ano não terão essa renda — conta Sônia.
O carnavalesco Luciano Maia, 46 anos, aponta para o mesmo caminho de Sônia. Ele acredita que foi necessário aos envolvidos com a festa entenderem os limites com os quais podiam lidar. E a pandemia estava além do controle, impossibilitando sequer o início dos trabalhos com segurança sanitária, sem incluir a questão financeira, com as quadras das escolas estando fechadas há tanto tempo.
— Como cidadão, vi que a situação era difícil. A pandemia mudou muito nossa vida. E os problemas ocasionados por ela vão causando um efeito dominó, até chegar em setores diversos, como a cadeia produtiva do Carnaval — explica ele.
Luciano diz que o trabalho nas escolas costuma iniciar por volta dos meses de setembro ou outubro, se estendendo até fevereiro ou março — dependendo da data do desfile. Ele pontua que além dos carnavalescos, profissionais como aderecistas, ferreiros e soldadores são presença comum dentro dos barracões ao longo da construção das alegorias. E, como os trabalhos costumam ocorrer em época de verão, final de ano, acabam sendo muito bem vindos para essa mão de obra indireta.
— É um período em que a demanda de alguns profissionais é menor, e o Carnaval ajuda muito a complementar a renda. Isso fará muita falta neste ano, com certeza — garante Luciano.
O carnavalesco vai reforçar o trabalho de costura para religiões de matriz africana, onde tem conseguido manter sua profissão, para tentar amenizar o prejuízo com a não realização da festa de Momo.
"Afetou significativamente", diz presidente da Imperadores
Presidente da União das escolas de Samba de Porto Alegre e Região Metropolitana (Uespa), Rodrigo Costa explica que o Carnaval tem uma cadeia produtiva muito ativa, que envolve pessoas que não têm um emprego formal ou que complementam a renda nesta época.
A festa também movimenta o comércio da Capital, seja com as compras em lojas de tecidos, restaurantes para fornecer alimentação aos trabalhadores e por aí afora.
– É muito maior do que, simplesmente, um desfile, um ensaio – avalia.
A situação é confirmada pelo presidente da Imperadores do Samba, Érico Leotti. Ele calcula que, em sua agremiação, cerca de 50 pessoas deixaram de ter o sustento advindo do Carnaval neste ano. O cálculo é relacionado aos que trabalham na quadra durante o ano e os que chegam para preparar os desfiles. Mas o número cresce ainda mais quando a hora de ir para a Avenida se aproxima.
Ele conta que, por exemplo, só para empurrar alegorias, são contratadas cerca de 60 pessoas na noite dos desfiles. E essa estrutura se multiplica para todas as agremiações.
Efeito
No início do ano, a prefeitura de Porto Alegre estimou cerca de 4 mil pessoas estão envolvidas diretamente na cadeia produtiva do Carnaval, durante a apresentação do projeto que oferecia cursos e oficinas para aperfeiçoar esses conhecimentos artísticos, técnicos e de gestão.
Isso sem incluir mão obra indireta e profissionais que orbitam o universo do Carnaval durante o ano, nas quadras, como seguranças, operadores de som, vendedores ambulantes, entre outros. O número total até pode ser difícil de ser contabilizado. Mas, a falta que a renda trazida pelas escolas fará no bolso destas famílias não será.