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Corte de energia

Ocupação que abriga mulheres vítimas de violência doméstica está sem luz desde setembro na Capital

Local onde funcionava uma escola hoje abriga mulheres vítimas de violência doméstica e seus filhos. Defensoria Pública auxilia na intermediação com CEEE Equatorial e prefeitura

21/10/2021 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Velas têm sido utilizadas para suprir falta de iluminação

As geladeiras estão vazias, substituídas provisoriamente por coolers. Nos quatro quartos, velas fazem as vezes de lâmpada. Um fio corre pelo fundo do terreno onde fica a ocupação Mirabal e entra numa das janelas do prédio de dois pavimentos. É por ele que vem a única energia elétrica que abastece o local há quase dois meses, fruto da boa ação de uma vizinha da ocupação. A extensão é utilizada para manter a TV ligada, quebrando o silêncio do escuro.

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A Casa Mirabal abriga cinco mulheres vítimas de violência doméstica e seus filhos — são nove crianças no local atualmente. Desde 1º de setembro, a energia foi cortada pela CEEE Equatorial por falta de pagamento. A dívida acumulada, conforme a Defensoria Pública Estadual (DP-RS), é de R$ 36 mil.

O espaço ocupado fica no prédio onde funcionava a Escola Estadual Ensino Fundamental Benjamin Constant, no bairro São João, zona norte de Porto Alegre. A estrutura onde ficavam as salas de aula segue abandonada, a ocupação utiliza apenas o espaço onde funcionava a direção da escola. Apesar de ser uma instituição estadual, o terreno da escola é da prefeitura. Quando o Estado desativou o espaço, devolveu o prédio para o município de Porto Alegre. 

Na mesma época, a Casa Mirabal, que funcionava numa outra ocupação no Centro Histórico, foi alvo de reintegração de posse. O espaço no centro era privado. Elas partiram, então, para o novo espaço, na esperança de que ele pudesse ser cedido pelo município. Mas, a prefeitura também ingressou com a reintegração de posse, pois a Secretaria Municipal de Educação (Smed) tinha planos de abrir uma Escola de Educação Infantil (Emei) no prédio, o que nunca ocorreu. Em primeira instância, a Justiça manteve a posse nas mãos do Movimento de Mulheres Olga Benário, instituição que coordena a Casa Mirabal. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) recorre da decisão.

Disputa pelo espaço

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Coordenadora do espaço, Nana Sanches mostra geladeiras que estão desligadas

Em meio a todo este imbróglio pela disputa da posse de um bem público, as mulheres vítimas de violência acolhidas na Casa Mirabal se viram como podem. Nana Sanches, coordenadora da Casa Mirabal, diz que as famílias têm se desdobrado para manter condições básicas de higienização, como buscar pessoas conhecidas nas redondezas para conseguir tomar banho. As despesas com compra de gelo para manter alimentos provisoriamente acondicionados em coolers também são altas.

— Parte dessa dívida da luz é nossa, mas parte é do Estado e o terreno é da prefeitura. Não podemos resolver sozinhas, pois não é só responsabilidade nossa — pontua Nana.

Entre as histórias abrigadas na Mirabal, a mais recente é a da Ana*. Com 22 anos, ela casou-se aos 15 e tem três filhos hoje, de cinco, quatro e dois anos. Vítima de violência doméstica por anos, Ana deixou o lar onde vivia em fevereiro deste ano. Tentou morar com a irmã, que já abrigava uma terceira irmã e outras cinco crianças. 

— Uma amiga também vítima de violência me contou da Casa Mirabal. Há um mês, vim para cá com meus filhos, quando a luz já estava cortada. Ainda assim é um ótimo lugar, principalmente para as crianças. Podem dormir sem medo e ver meus filhos brincando aqui no pátio é um sensação que eu nunca tinha tido — conta ela.

Negociações em curso

A CEEE Equatorial, empresa que administra o abastecimento de energia para o local onde está a Casa Mirabal, informou apenas que "está em curso um processo de negociação para parcelamento da dívida". Na nota enviada, a Equatorial ainda cita que "com relação às informações referentes a dados cadastrais e dívidas, a empresa se reserva ao direito de não fornecê-los, em respeito às legislações vigentes e aos seus clientes". A defensora pública Tatiana Boeira, que auxilia nas conversar entre a Casal Mirabal, prefeitura e Equatorial, conta que a última atualização da dívida era de R$ 36 mil.

— A evolução histórica que levou até esse valor é o que estamos discutindo. Tem a discussão sobre desde quando elas estão na posse do imóvel — cita Tatiana, pontuando a necessidade de que seja cobrado das mulheres o que realmente elas devem.

Procuradoria trata questão como invasão

A prefeitura de Porto Alegre vê a Casa Mirabal como invasão de um espaço público. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) diz que orientou a Casa Mirabal a fazer um pedido de uso de próprio municipal. Ou seja, pedir formalmente um espaço público para usar em seus trabalhos, o que foi feito somente neste mês de outubro, diz a PGM. A prefeitura também pontua que os trabalhos realizados na casa não estão de acordo com as características dos serviços sociais prestados pelo município.

— Sabemos da importância do trabalho da Casa Mirabal, mas do ponto de vista legal, no momento, o espaço é um terreno público invadido e usado sem qualquer regulamentação — aponta a procuradora-geral adjunta Eleonara Serralta.

A procuradora diz que a o município também tem vistoriado o local e orientado o grupo a fazer a regulamentação dos serviços oferecidos, podendo, futuramente, trabalhar até de maneira conveniada com a prefeitura, como ocorre com outras instituições. Em relação ao auxílio no pagamento das dívidas para religação da energia, a prefeitura descarta qualquer possibilidade neste sentido.

— Pela decisão em 1ª instância, elas têm a posse do imóvel. Então, podem pedir a religação da luz no nome da associação — alega Eleonara.

Justiça é uma possibilidade

— São quatro pontos na discussão. O imóvel é nosso e está invadido. A atividade delas não é regulamentada. As mulheres acolhidas lá podem estar em outros serviços do município que tem vaga para acolhe-las. E a questão da energia elétrica. Estamos conversando sobre o que é da nossa alçada, o que não é o caso da luz — cita Eleonara.

A defensora Tatiana aponta que em caso de não manifestação da prefeitura no auxílio da renegociação da dívida com a Equatorial, o órgão deve ajuizar uma ação para discutir o tema na Justiça.

*O nome foi trocado para preservar a identidade.

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