Aos 63 anos
Para ver filho formado no Exército, pai pedala 1,4 mil quilômetros de Porto Alegre ao Rio de Janeiro: "Homenagear o esforço dele"
Viagem de bicicleta durou 20 dias, e teve como inspiração a travessia descrita no livro "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa
Poucos pais podem medir o orgulho sentido pelas conquistas dos filhos como Pedro Figueiredo, 63 anos. No seu caso, o cálculo é exato: 1,4 mil quilômetros. Essa foi a distância pedalada pelo ativista ambiental, de Porto Alegre até o Rio de Janeiro, para a formatura de Agostinho Figueiredo como oficial aspirante na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).
— Cheguei lá e os colegas mandando mensagem pra ele, centenas, dizendo “teu pai é insano, Figueiredo” — diverte-se, sobre a reação dos amigos do jovem.
A saga foi iniciada na capital gaúcha em 4 de novembro. A chegada à cidade de Resende, sede da Aman, ocorreu no dia 24, e a graduação três dias depois, como mostra uma fotografia em família, junto da mãe, a comissária de polícia Iolanda Pinto Lopes, o padrasto, músico Desidério Souza, e o pai.
— Fiz isso para homenagear o esforço dele. Chegar à Agulhas Negras exigiu três anos de estudo, com dez horas por dia, só pra passar na prova, e depois mais cinco anos de curso. Merecia que eu fizesse algo diferente pra destacar essa conquista — complementa.
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Além da deferência ao filho, ele afirma ter tido como objetivo conscientizar os jovens sobre o cuidado com o meio ambiente, pelo incentivo de utilizar veículos que não gerem poluição.
No caminho do Sul ao Sudeste, Figueiredo recebeu apoio de outros ciclistas e de famílias que lhe hospedaram voluntariamente ao tomar conhecimento de sua missão - reportagens nas afiliadas da Rede Globo foram seguidas de uma série de publicações em portais de notícias do centro do País.
A meta diária foi definida em 80 quilômetros pelo homem – idoso, segundo o estatuto que rege o público acima de 60 anos, mas um menino, garante, pela saúde. Em duas ocasiões, o ciclista extrapolou esse valor, o que exigiu descanso nas 24 horas seguintes. No total, foram 18 dias de pedal e 20 de viagem.
A ideia foi tratada como loucura por vizinhos da comunidade onde vive, um loteamento de construções humildes, afastado da área urbana do bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre. No entanto, a experiência de quatro décadas utilizando a bike como meio de transporte deixou Figueiredo confiante para vencer o trajeto interestadual. Na mente, relembra, um dos seus autores favoritos: Guimarães Rosa.
— A vida está na longa travessia da vida da gente, como o Guimarães Rosa trata no Grande Sertão: Veredas. Essa foi a inspiração. É na travessia que está o segredo da vida. Enfrentando as curvas, enfrentando as serras, as dificuldades. É aí que a vida se constrói, e na viagem eu pude pensar em tudo isso — diz, em tom poético.
Figueiredo tem curso superior incompleto de Filosofia. Trabalhou como assessor na educação de equipes de reciclagem, e graças à profissão da hoje ex-mulher, o filho pôde se matricular em cursinhos preparatórios às Forças Armadas, iniciativa que é elogiada, deixando de lado o fim do relacionamento.
Na Zona Leste, o maratonista cuida de uma pequena biblioteca, da qual fala com orgulho. É também tutor, ao lado de um irmão, de Maria Emidia Figueiredo, 96 anos.
— O meu neto colocou na cabeça que ia fazer o curso, saiu daqui e conseguiu. To com muita saudade dele, só vi na foto — afirma a avó do militar.
O retorno do ciclista ao Rio Grande do Sul ocorreu nesta primeira semana de dezembro, de maneira mais confortável do que na ida: de ônibus, com a bike transportada no compartimento de bagagem.
Ouça a entrevista de Pedro Figueiredo ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha: