Brique do DG
Artesãos falam sobre os desafios da profissionalização
Empreendedores contam suas experiências, e o DG dá dicas de como formalizar a profissão e obter renda
Morador do bairro Glória, em Porto Alegre, João Batista Castilhos da Rocha, 69 anos, é artesão desde a infância. Começou produzindo cestas de vime e, por fim, encontrou seu caminho nos artigos fabricados em couro. Foram eles que, desde então, têm lhe garantido o sustento.
– Tudo que eu tenho, consegui pelo artesanato. Fiz a minha primeira viagem de avião, em 1994, para participar de uma feira em Portugal – recorda.
Mas não se trata apenas de renda. A produção artesanal, para João, é também o exercício e a perpetuação de uma cultura que é milenar. Além disso, o artesão pode se orgulhar de alguns pioneirismos em sua carreira. Ele conta que foi um dos primeiros profissionais a ser incluído no cadastro de artesãos, iniciado pelo governo do Estado ainda no começo da década de 1970.
À época, expunha e comercializava seus produtos na praça Dom Feliciano, próximo à Santa Casa, no centro da Capital. Nem mesmo o tradicional Brique da Redenção existia naquele período – o espaço tornou-se parte da Avenida José Bonifácio, no bairro Bom Fim, apenas anos depois. Logo no início, João foi um dos artesãos que ocupou o local com seus trabalhos. E ainda hoje pode ser encontrado na banca 99, mantendo a filosofia que sempre o motivou:
– Muitas marcas fazem o que eu faço, em maior escala e por um preço menor, mas nós (artesãos) tocamos o público pela sensibilidade. Não pelo desejo de consumir. Com mais de 50 anos de carreira, ele destaca a importância da dedicação à profissão para que seus produtos tenham o “algo a mais” que vai despertar os clientes:
– Eu sempre digo para o meu filho: “Podemos ter a profissão que quisermos, mas se nós fizermos bem aquilo, nunca nos faltará trabalho”.
Criatividade e foco em vender
Para Janete Brum, 51 anos, um artesão deve ter mais que domínio das técnicas. É preciso liberdade e vontade de criar. A moradora do bairro Niterói, em Canoas, diz que, ao dar-se conta disso, viu a sua carreira ganhar mais sentido.
– Os cursos te ensinam muito, mas não são tudo. Eles te dão um modelo e é preciso ir além daquilo – explica.
Desde 2018, Janete produz bonecas de tecido personalizadas, com articulações e movimento. Porém, em paralelo ao processo de criação, conta, é preciso também se dedicar às vendas. Atualmente, ela participa, entre outras feiras, do Brique da Inconfidência, que ocorre aos sábados em Canoas.
– Um dia, passando pelo Brique, falei com uma das expositoras. Ela me explicou como participar e eu fui atrás – conta.
Para Janete, que é divorciada e sustenta-se exclusivamente do artesanato, o mundo das feiras é fundamental. Da renda que obtém, em torno de 70% vem dos eventos.
– E por mais que eu não venda nada em alguns dias, os clientes passam, conversam e pegam meu cartão. Depois, compram.
A realidade dos primeiros passos
Apesar de saber fazer crochê desde a infância, Denise Machado, 40 anos, moradora do bairro São Lucas, em Viamão, despertou para a possibilidade de transformá-lo em fonte de renda há pouco tempo. Há dois anos, criou uma conta no Instagram para divulgar seu trabalho e obteve os primeiros clientes.
– Eu sempre trabalhei de carteira assinada e fazia o crochê para vender nas horas vagas. Só que, neste ano, fiquei desempregada – revela.
O empurrão indesejado a inspirou a lutar para fortalecer a renda vinda do artesanato. Ela diz que as receitas que obtém ajudam a pagar algumas contas, mas ainda não são suficientes para cobrir o que recebia antes. Por causa disso, Denise tem buscado se diferenciar. Primeiro, com um curso.
– Eu queria ter um certificado porque tenho a impressão que isso dá mais credibilidade – aponta.
O segundo passo foi buscar a diferenciação dos produtos. Então, começou a produzir em crochê desde animais até personagens de filmes e desenhos animados. Ainda assim, reconhece que há um caminho a percorrer. Denise conta que não sabia da possibilidade de formalizar a profissão.
– Seria maravilhoso poder participar de feiras e me firmar como artesã.
Carteira do Artesão: chance de formalização
A Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) oferece a emissão da Carteira Estadual de Artesão. Através dela, é possível participar de feiras que ocorrem no Rio Grande do Sul e em outros estados.
– Ela também reconhece o profissional como autônomo, possibilitando que ele contribua para a previdência social – explica Luciana Pêss, coordenadora do Programa Gaúcho de Artesanato (PGA).
Além disso, com o documento, os artesãos podem emitir notas fiscais das suas vendas sem que estejam inscritos no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e ainda com isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
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Como obter:
/// É preciso ter idade igual ou superior a 16 anos, ser brasileiro ou estrangeiro com situação regularizada, residente e domiciliado no RS.
/// Apresentar cópia de comprovante de residência, uma foto 3x4 atual e cópia de documento de identidade, com RG e CPF.
/// Realizar um teste de habilidade diante de funcionários designados pela FGTAS e o pagamento de uma taxa de R$ 26,31.
/// Interessados devem entrar em contato com as agências da FGTAS de suas respectivas cidades. Os endereços e telefones estão disponíveis no site fgtas.rs.gov.br/agencias-fgtas-sine.
Conheça as ações promovidas pelos municípios da Região Metropolitana
/// Alvorada: organiza eventos a cada 15 dias. Interessados devem solicitar informações e fazer o cadastro pelo e-mail smde@alvorada.rs.gov.br.
/// Cachoeirinha: realiza feiras mensais no Parcão. Para participar, é necessário procurar a Secretaria Municipal da Cultura, Esportes, Lazer e Turismo (SMCELT) e solicitar adesão ao Cadastro de Artistas e Trabalhadores da Área Cultural e Economia Criativa (Caec).
/// Canoas: são diversos grupos de artesãos que participam das feiras na cidade. Os profissionais devem procurar a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação (SMDETI) para serem encaminhados ao mais adequado ao seu perfil.
/// Eldorado do Sul: a prefeitura tem duas associações de artesãos, a Criarte e a Baú das Artes. Para fazer parte e participar dos eventos, é preciso procurar o órgão e apresentar carteira de identidade e comprovante de residência.
/// Esteio: realiza feiras em diversos pontos da cidade. Interessados devem procurar a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (SMDEMA) para se cadastrar. Além disso, é necessário ter a carteira do artesão da FGTAS.
/// Gravataí: promove feiras na primeira semana de cada mês e oferece, em esquema de revezamento, o espaço da Casa do Artesão para os profissionais. O requisito para participar é a carteira do artesão oferecida pela FGTAS.
/// Novo Hamburgo: tem feiras semanais, mensais e em eventos que ocorrem na cidade. Os interessados devem se cadastrar na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedec).
/// Porto Alegre: tem cerca de 35 feiras licenciadas – o Brique da Redenção é a principal delas e a participação ocorre por meio de processo seletivo quando há vagas disponíveis. Para participar, é preciso ter a carteira do artesão da FGTAS e manter contato com a Unidade de Fomento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET).
/// Sapucaia do Sul: possui um espaço compartilhado pelos artesãos na Praça General Freitas e promove eventos pontuais. Interessados devem realizar cadastro na Secretaria Municipal de Trabalho, Cidadania e Economia Solidária. Também é obrigatório ter a carteira do artesão da FGTAS.
/// Viamão: possui uma feira fixa no Calçadão Tapir Rocha, no centro. Para participar, é preciso realizar um cadastro na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e ter a carteira do artesão da FGTAS.
Produção: Guilherme Jacques