Desabastecimento
Antibióticos e antialérgicos: os remédios que mais estão em falta nas farmácias do RS
Hospitais registram escassez de soro fisiológico, usado para pacientes internados, mostra levantamento do Conselho Regional de Farmácia
Antibióticos, antialérgicos, analgésicos, anti-inflamatórios e xaropes para tosse – remédios para covid-19 e doenças de inverno – são as medicações mais em falta em drogarias, hospitais e farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio Grande do Sul, mostra levantamento do Conselho Regional de Farmácia gaúcho (CRF-RS). A pesquisa, feita de forma online ao longo de três semanas com farmacêuticos que atuam na iniciativa privada e no setor público, questionou se faltavam remédios nas farmácias onde os profissionais atuam – se sim, quais as medicações.
O desabastecimento é maior em drogas usadas contra covid-19 e doenças respiratórias do inverno, mas profissionais ainda relataram falta de soro fisiológico, utilizado como “veículo” para aplicação de remédios em pacientes hospitalizados.
— Nas drogarias e na saúde pública, faltam antibióticos, anti-inflamatórios, anti-histamínicos (antialérgicos) e analgésicos. A nível hospitalar, farmacêuticos relataram falta de anestésicos e de soro fisiológico. Isso ocorre pela falta de matéria-prima ou da embalagem para o envase da substância — afirma a farmacêutica e presidente do CRF-RS, Letícia Raupp.
A entidade destaca a falta de antibióticos para crianças, situação presente há meses e vivenciada pela empresária Betina Maier, de 35 anos, moradora de Novo Hamburgo. Em maio, ela levou a filha Morena, de nove meses, ao hospital, onde a menina foi diagnosticada com bronquiolite, pneumonia e infecção urinária. O médico comunicou: a criança só teria alta se a mãe comprasse, na farmácia, um antibiótico para seguir o tratamento em casa – o remédio, entretanto, estava em falta.
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— Ele me disse: “Não posso correr o risco de dar alta, ela ir pra casa e não ter a medicação”. Fui atrás de várias farmácias, mas nenhuma em Novo Hamburgo tinha. Conseguimos um frasco em Sapiranga — conta a empresária, que ainda relata dificuldades na busca por medicações:
— Ainda hoje faltam remédios para crianças. Duas semanas atrás, minha filha teve outro problema respiratório, a pediatra disse para entrar com nebulização e Aerolin em gotas (remédio para asma e bronquite), mas só achamos em Campo Bom — acrescenta.
A rede pública também sofre de escassez. Para além de um crescimento de 16% no número de pessoas em busca de remédios em farmácias do SUS no mês passado frente a junho de 2021, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Porto Alegre relata dificuldade para comprar os antibióticos amoxicilina e gentamicina, o remédio fenoterol (utilizado para bronquite, pneumonia e asma) e estrógenos. “Apesar dessas situações, todos os esforços estão sendo realizados para que não gerem o desabastecimento nos medicamentos disponíveis à população”, diz a prefeitura.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), que representa fabricantes de remédios, afirma que associados relataram “expressivo e atípico aumento de demanda por determinados antibióticos no primeiro trimestre e isso desorganizou a cadeia de fornecimento ao varejo”. Todavia, a entidade alega que a oferta é regular na maioria das fabricantes e que apenas algumas empresas relataram problemas “pontuais” de produção de antibióticos.
“Os dados disponíveis confirmam a oferta regular e até acima do normal do antibiótico amoxicilina e do analgésico dipirona por parte da indústria”, diz o Sindusfarma, ao contrário do que relataram farmacêuticos sobre a falta desses dois remédios, especificamente. Por fim, a entidade afirma que indústrias estão readequando a produção para atender o mercado.
Hospitais registram falta de soro fisiológico
O Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre (Sindihospa), que representa instituições como os Hospitais Mãe de Deus e Moinhos de Vento, informou por meio de nota que há cerca de 30 itens “com abastecimento prejudicado, incluindo medicamentos e insumos para realização de procedimentos”.
A maior falta em hospitais é de soro fisiológico e contrastes para exames. “A indisponibilidade tem sido verificada de forma mais abrangente no varejo. Os hospitais vêm monitorando diariamente os estoques para bem atender aos pacientes”, informa a entidade que representa hospitais da capital gaúcha.
A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre informou, também por por meio de nota, que tem "acompanhado com apreensão a escassez de medicamentos no mercado brasileiro, bem como aumentos significativos de preços”. Para minimizar o problema, “a instituição tem fortalecido as parcerias comerciais com fornecedores e, em alguns casos pontuais, elevando os estoques de segurança”.
Farmácias de manipulação têm sido acionadas em alguns casos. Em outros, busca-se o médico para substituir o remédio. “Porém, apesar da atual escassez, não temos sido impactados significativamente com rupturas de abastecimento que prejudiquem a assistência de nossos pacientes”, diz a Santa Casa.
O Hospital Moinhos de Vento afirmou que monitora o desabastecimento de medicamentos no varejo, especialmente de soro fisiológico, mas que a instituição segue sendo atendida pelos fornecedores e não registra falta de insumos. “O hospital acompanha diariamente a situação e busca alternativas para eventuais problemas de abastecimento”, diz o Moinhos de Vento.
O Hospital Mãe de Deus informou, também por nota, que está a par de que o mercado enfrenta dificuldades, mas que “tem todos os medicamentos garantidos em estoque, em razão de contrato estabelecido com os fabricantes”.
Motivo
As raízes do problema são multifatoriais: envolvem menor oferta de remédios e de embalagens como resultado de um xadrez geopolítico europeu-asiático e pela maior demanda impulsionada pelo inverno rigoroso e pela queda do uso de máscaras em ambientes fechados, o que favorece a transmissão de vírus respiratórios, dizem especialistas.
O Brasil depende de importação de matéria-prima para fabricar remédios - mais de 90% dos ingredientes vêm da China e da Índia. Como os lockdowns impostos pelo governo chinês na política de “covid zero” pararam cidades de grandes indústrias farmacêuticas, caiu a oferta de matéria-prima global e também de embalagens de vidro e plástico para envasar remédios e soro fisiológico.
— Em 2022, com colégios em funcionamento, retomada de vida quase normal de adultos e o querido inverno gaúcho, a demanda por esses remédios aumenta. Mas, agora, há a infeliz coincidência de o mercado chinês se fechar, o que faz o desabastecimento chegar ao ápice — diz Cabral Pavei, professor de Farmácia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Ainda no cenário internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia afeta a cadeia logística mundial de portos e aeroportos, acrescenta Diego Gnatta, professor de Farmácia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— A guerra afeta o trânsito de navios e contêineres, o que impacta não só a indústria de automóveis, mas também a industria farmacêutica. Os insumos não necessariamente são produzidos na Ucrânia ou na Rússia, mas isso afeta a logística — diz o pesquisador.
Uma saída para o problema é investir na produção nacional de medicamentos em laboratórios públicos e universidades, afirmam pesquisadores. Pavei, da UFCSPA, destaca que, em 2018, o governo gaúcho fechou o Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul.
— Como o SUS é um dos que mais utiliza esses medicamentos, agora se inicia nova discussão com o Ministério da Saúde para criar plantas industriais e laboratórios públicos de produção de ingrediente farmacêutico ativo — diz o professor.
A presidente do Conselho de Farmácia do Rio Grande do Sul pontua que a atual dificuldade logística deixa o país vulnerável, o que exige políticas públicas para evitar nova escassez.
— Alguns medicamentos a indústria farmacêutica têm menos interesse produzir, em função do baixo custo de venda, como soro fisiológico. Isso seria solucionado se laboratórios oficiais voltassem a produzir medicamentos de baixos custo. Hoje, como temos dificuldade logística, ficamos sem matéria-prima para produzir medicação na indústria brasileira. Precisamos de uma política pública para desenvolver matérias-primas — diz a presidente do CRF-RS.
Por que amoxicilina é a que mais falta?
Amoxicilina, o remédio mais em falta no Rio Grande do Sul, é uma das primeiras opções escolhidas por médicos para tratar de infecções bacterianas comuns, como faringite, sinusite, otite em crianças e pneumonia leve, explica Alexandre Zavascki, médico infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— Uma prática bastante comum entre médicos é ter uma suspeita de quadro viral e já dar antibiótico, descnecessariamente. Isso pode estar agravando (a situação). Se ficou na dúvida de ter uma infecção bacteriana, o médico acaba dando — critica.