Seu Problema é Nosso
Um novo início para a Vó da Reciclagem na Ilha da Pintada
Família recebeu doações e entra em 2024 reconstruindo seu lar, afetado pelas enchentes de setembro e novembro na Capital
Três meses depois da forte chuva que castigou Porto Alegre e causou a inundação de diversas residências na Região das Ilhas, uma das famílias afetadas pela enchente consegue enxergar um 2024 promissor. A Vó da Reciclagem, como é conhecida a recicladora Maria Ana Ávila Macedo, 71 anos, sua filha e as quatro netas com quem vive na Ilha da Pintada têm conseguido, de doação em doação, reconstruir a casa em que vivem na Rua Nossa Senhora da Boa Viagem, às margens do Rio Jacuí.
Com a chuvarada de setembro passado, foram perdidos móveis e itens pessoais da família. As seis ainda estavam fora de casa quando um novo ciclone atingiu a Capital na metade de novembro e danificou, então, a estrutura da moradia. Uma viga de sustentação se enfraqueceu, uma parede despencou e os cantos das outras paredes ficaram frágeis. Por isso, nas últimas semanas, todos os esforços são destinados à reforma do lar.
Solidariedade
No início daquele mês, a Vó da Reciclagem havia buscado o Diário Gaúcho para pedir ajuda. E foi com as doações de quem se solidarizou com a situação que a família conseguiu comprar tijolos, cimento, areia e dar início às obras. Assim, há cerca de um mês, o lar da recicladora é reconstruído.
– Foi a melhor coisa (ver a casa). Já me senti bem só ali dentro do pátio, a vontade era de entrar lá, mas não tem como. Se eu pudesse, estava lá dentro ajudando os guris (pedreiros) – relata Maria sobre a primeira ida à casa desde setembro, junto à reportagem.
Por enquanto, a cadeira de rodas só alcança a parte da frente da residência, devido aos entulhos nos outros cômodos.
Para a Vó, é impensável sair do lugar onde mora há 30 anos, mesmo já tendo passado por inúmeros alagamentos e sabendo que outros podem vir. Então, para tentar frear o avanço do rio na próxima chuva forte, o novo piso da casa vai ser construído em um nível mais alto, quase um metro de altura acima do original.
– A tendência é erguer mais. Eu creio que vai (ser construído) até a altura da água da última grande (enchente, em novembro). E não vou botar piso ainda porque a ideia é levantar ainda mais depois – explica a filha de Maria, a pescadora e catadora Carla Graziele de Ávila, a Grazi, 43 anos.
Doações
Foi na manhã da quarta-feira passada (27) que o caminhão da empresa Turim Mudanças parou na frente da casa onde a família está morando temporariamente, via estadia solidária da prefeitura, carregando a doação feita pela Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMP/RS). A organização garantiu para a família geladeira, televisão, beliche e colchões para as crianças, além de uma máquina de lavar roupas.
Mas, além dos móveis, um equipamento muito especial doado pela AMP/RS fez brilhar os olhos da Vó: a cadeira de rodas motorizada com a qual tanto sonhava. Agora, a recicladora que perdeu as pernas por complicações da diabetes vai trocar os panos pelos quais se arrasta no chão para se locomover com uma cadeira que lhe dará mais autonomia.
Porém, a sensação de liberdade não estará completa enquanto a Kombi da família não voltar a funcionar. Com o veículo, Maria eafilha conseguem coletar mais sucata para vender e garantir a renda da casa. Grazi começou no ano passado a fazer o conserto do automóvel, destruído pela enchente de 2015 na Capital, mas, na tempestade de novembro, novos problemas surgiram. Agora, além de arrumar o motor e trocar os pneus, a lataria precisa de reparos, e os vidros, porta e tampa do motor têm que ser recolocados. Por isso, Maria repete, durante toda a conversa com a reportagem:
– Eu quero ver se conseguem me ajudar a arrumar minha Kombi!
Esperança
Sem a Kombi e fora de casa, elas não têm espaço para guardar sucatas. Assim, a ocupação de recicladoras foi pausada, e a família se sustenta como pode: doações, auxílios da prefeitura e venda das redes para goleiras de futebol que Grazi começou a produzir. Por isso, no momento, a maior dificuldade é para pagar a mão de obra da reforma.
– Não desenvolve a obra porque não dá para botar mais ninguém (para trabalhar). O certo seria R$ 1 mil, R$ 1,2 mil por semana (de remuneração), mas a gente recebe R$ 700 e vamos juntando para tentar pagar um pouquinho mais. Aí, não temos ideia de quando vai ficar pronto – relata Grazi.
Depois de todas as dificuldades de 2023, ainda assim, a gratidão da família se renova a cada pedido de ajuda atendido. E, mesmo sem ter previsão de retorno para casa, as expectativas da Vó da Reciclagem para 2024 são boas.
– Vamos voltar com tudo arrumadinho. A minha vontade era já estar dentro da casinha, mas logo vai dar. Muita gente disse para eu sair da ilha… Não quero! Só saio daqui quando eu morrer – afirma.
AJUDE A VÓ DA RECICLAGEM
/// Para concluir a reforma da casa, a família precisa de areia, cimento, porta, telhas, madeira e dinheiro para pagar os pedreiros.
/// Da mobília, ainda faltam guarda-roupas, cômoda, camas para Maria e Grazi e móveis da cozinha.
/// A vaquinha para o conserto da Kombi pode ser acessada pelo site vakinha.com.br/3916046.
/// As netas da Vó da Reciclagem fazem um pedido especial: uma piscina para brincar nesse verão.
/// Doações podem ser feitas pelo Pix (telefone) 51984202983.
Produção: Caroline Fraga