Antirracismo
Organização oferece assistência jurídica gratuita em casos de violência racial
Fundado há dois anos em Porto Alegre, Instituto Caminho quer virar centro de referência em direitos


Criado por um grupo de advogadas negras, o Instituto Caminho tem atuado há dois anos no combate à discriminação e à violência racial em Porto Alegre. Agora, o coletivo com cerca de 20 voluntários busca apoio para ampliar as atividades.
A organização surgiu em 2023 de forma colaborativa entre profissionais que entenderam que precisavam atuar em rede para conseguir o impacto social que desejavam.
Até hoje, já atuaram em mais de 30 casos envolvendo injúria racial, violência policial e acusações injustas. Parte deles de grande repercussão, outros de pessoas comuns, que encontraram no instituto uma saída para a sua defesa em processos envolvendo questões raciais.
Segundo a advogada Eduarda Garcia, uma das idealizadoras do projeto, a criação do Instituto Caminho foi um encontro entre sua angústia por ajudar e uma necessidade social:
— Muitas pessoas me procuravam para atendimento, confiando no meu trabalho, mas não tinham possibilidade de pagar. E eu comecei a chamar, principalmente mulheres negras, advogadas, e a falar: “Olha, a gente precisa criar uma instituição, não tem ninguém que faça isso aqui”.
Aos 30 anos, a advogada formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) coordena as atividades do instituto. Para ela, o fio condutor de todo o trabalho realizado é o combate ao racismo.
Do ponto de vista jurídico, isso significa o acesso à Justiça e o direito a uma defesa qualificada. No entendimento de Eduarda, o predomínio de pessoas brancas nos órgãos do Judiciário torna esse acesso enviesado racialmente.
— Quando esses casos chegam na Justiça, eles dependem de instituições, de pessoas, servidores públicos brancos, que não têm esse letramento, essa compreensão. O Judiciário historicamente vê as pessoas negras como pessoas que sentam no banco dos réus — afirma.
Em 2024, o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), identificou que apenas 14,5% dos juízes do Brasil eram negros.
Para Eduarda, a atuação do Instituto Caminho oferece novas visões do direito e interpretações da lei que levem em conta a existência do racismo e do preconceito racial.
Acolhimento
Mesmo assim, o combate ao racismo por meio da Justiça é limitado, defendem. Nem sempre essa prática discriminatória se manifesta em situações diretas de hostilidade contra pessoas negras. O racismo está nas restrições de oportunidades e até na imposição de certos cortes de cabelo.
Por isso, o objetivo atual do instituto é virar um centro de referência no acesso à Justiça e no combate à discriminação.
Hoje, a equipe já possui parcerias com o Ministério Público do Trabalho para oferecer um curso profissionalizante a estudantes do bairro – que deve se iniciar em setembro –, colabora com o curso para ensinar a meninas a arte de trançar e busca parceiros do campo da psicologia para atuarem no acolhimento aos assistidos.
— Trabalhar acesso à Justiça é primeiramente acolher e falar para essas pessoas que é real e dói. Não é “mimimi” — diz Eduarda.
Paredes que guardam histórias de luta
Quando o instituto ainda era uma ideia, Eduarda buscou a colaboração da amiga Lidiane Porto. As duas se conheceram no voluntariado do Serviço de Assistência Jurídica Universitária da UFRGS.
Conversando sobre criar o Caminho, Lidiane contou que tinha uma sede para oferecer. Por problemas de saúde, seus avós precisariam morar com ela, mas não queriam vender sua antiga casa, no bairro Partenon.
Além de residência onde a família construiu sua história e criou os filhos, o imóvel também foi sede do escritório do avô, Paulo Porto. Vindo do Interior, ele formou-se em Direito e trabalhou como funcionário público e advogado até se aposentar.

Para Lidiane, 25 anos, portanto, a história do espaço se materializa em um ambiente de acolhimento e de integração para a equipe:
— É a conquista da minha família, de pessoas pobres que vieram para cá e conseguiram construir essa casa. Conseguir ressignificar esse ambiente foi muito importante e eu acho que é isso que torna acolhedor para todos.
Ela diz que o objetivo é tornar esse espaço familiar em uma “casa referência de direitos”, com uma atuação que vai além da assistência jurídica.
— É uma família negra que lutou muito por uma certa ascensão social. E entende a importância de continuar tendo projetos de luta pela equidade racial — diz.
Como ajudar
/// Se você se identificou com a iniciativa, pode colaborar com doações de recursos ou como voluntário, acesse o site.
*Produção: Guilherme Freling