Polícia



Guerra da Conceição

A história do tiro que derrubou um império em Porto Alegre

Morte de traficante, no ano passado, provocou uma crise familiar e um racha no comando do tráfico na Vila Maria da Conceição. Guerra já custou dez vidas

29/08/2013 - 08h02min

Atualizada em: 29/08/2013 - 08h02min


Brigada faz constantes batidas na vila para tentar coibir a violência

Foram entregues à Justiça nesta semana os inquéritos que investigaram as mortes de Juvenil Marques de Souza Júnior, conhecido como Juvenal, então com 44 anos, em junho do ano passado, e do filho dele, Anderson Willian Silva de Souza, o Sansão, então com 25 anos, em setembro.

As duas mortes deixaram claro à polícia que a violência pelo comando do tráfico na Vila Maria da Conceição, Bairro Partenon, Zona Leste da Capital, começou bem antes dos últimos meses. E teve como estopim um desentendimento no núcleo familiar de Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição, chefão das bocas mais lucrativas
da Capital.

● Morte causou crise no comando

Por trás das duas execuções está Carlos Alberto Silveira Drey, o Beto Drey. Ele foi indiciado como mandante dos crimes. Nos dois assassinatos, Samuel Dutra Machado Botelho, o Mensalão, 25 anos, foi apontado como o executor. A dupla, já na cadeia, teve prisão preventiva solicitada pela 6ª DHPP. Beto é enteado de Paulão.

- A morte do Juvenal decretou o descontrole na quadrilha. A partir dali, houve uma crise de comando que abriu espaço para outros nomes surgirem e se criar uma guerra - afirma o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado
Cristiano Reschke.

● Padrasto contra enteado

A execução do cadeirante Juvenal na Rua Mário de Artagão, na madrugada de 24 de junho, abalou o império da droga, criado a partir dos anos 1990. Escolhido por Paulão como o gerente das bocas na parte alta da Conceição, cabia a Juvenal também ser
interlocutor do traficante preso e apaziguador dos pequenos conflitos entre os mais jovens.

Ele era um dos "homens de confiança". Isso deixava Beto Drey afastado das decisões do comando. O desentendimento entre Beto - conhecido pelo temperamento explosivo - e o padrasto já era conhecido das autoridades há pelo menos cinco anos.

Mas, contrariando o seu estilo, Paulão nunca tentou eliminá-lo. Agora, com a ameaça de que a família seja destronada, Beto e Paulão estariam se reaproximando. Os dois estão na Pasc, em Charqueadas.

O comando calado a bala

O "efeito dominó" no comando do tráfico da Conceição foi imediato a partir de junho de 2012. Enquanto era julgado em setembro do ano passado, por um homicídio cometido dentro da cadeia, Paulão da Conceição foi curto e grosso:

- Corro risco de vida.

Fazia apenas três dias que o segundo homem designado por ele para substituir a gerência do tráfico havia tombado. Anderson Willian Silva de Souza, o Sansão, então com 25 anos, que era filho do Juvenal, havia sido trazido da Vila Nova para organizar
os negócios. No dia 11 de setembro, o carro em que estava com outros dois jovens foi emboscado na Rua Guilherme Alves. Foi morto com mais de 20 tiros.

- O Sansão não era um "especialista" no tráfico. Teria sido uma espécie de plano de contingência. Com a morte dele, os rivais entenderam que o espaço estava vago - aponta o delegado Cristiano Reschke.

● Líder ficou sem opções

Naquele momento, o leque de opções para sucessão entre os homens de confiança do líder encerrava. No começo de agosto de 2012, Richard Alex da Silva Martins, o Gigi, apontado como outro soldado de Paulão, havia sido morto na Vila Nova. Seu corpo foi queimado e teve as pontas dos dedos cortadas para evitar a identificação pelas digitais.

De espectador a desafiante

Até o começo deste ano, Vladimir Cardoso Soares, o Xu, era um espectador da guerra que se criava. No império da droga, cabia a ele gerenciar as bocas de fumo na parte baixa da vila. Juvenal (e Beto Drey) mandavam na parte alta. Conforme a polícia, Xu não está relacionado às mortes na sequência da execução de Juvenal.

- Ele estava mais preocupado em conservar as bocas que controlava - afirma o delegado.

Isso até alguns meses atrás, quando ele provavelmente viu a oportunidade de fortalecer alianças e desafiar o poder de Paulão da Conceição.

- A crise familiar gerava desconfiança na quadrilha, mas não chegava a interferir no comando do tráfico daquela região - explica o delegado.

Desde o assassinato de Juvenal, a polícia contabiliza pelo menos dez mortes - metade delas neste ano - diretamente ligados às disputas pelo comando do tráfico na Conceição.

Xu também está preso

Com a morte de Sansão, Anderson da Silva, o Tetão - apontado pela polícia como um antigo soldado de Juvenal -, e João Carlos da Silva Trindade, o Colete - um ex-soldado do Paulão -, teriam assumido o comando na parte alta na Vila Maria da Conceição.

O suporte, suspeita a polícia, vinha do líder do tráfico na parte de baixo. Em junho, os dois foram presos pela Brigada Militar sob suspeita de serem os principais articuladores de Xu no atual conflito. O traficante, que teria passado os últimos dias escondido em Santa Catarina, foi preso semana passada, apontado como mandante de pelo menos um dos assassinatos deste ano na guerra da Conceição. É suspeito também de outros quatro.

Comando em crise

Em 2008, o Ministério Público apontou os líderes do tráfico na vila:

● Paulão da Conceição - Da Pasc, tenta rearticular alianças para retomar o controle do maior império da droga na Capital. Crise de comando teria estourado a guerra na vila.

● Beto Drey - Enteado de Paulão, está preso. Teria sido o causador dos conflitos pelo poder do tráfico na vila. Ameaçado,  voltou a se aliar com o padrasto e estaria articulando vingança contra Xu.

● Xu - Era o gerente das bocas na parte baixa da vila sob comando de Paulão. Viu na crise interna a oportunidade de crescer, provavelmente recebendo suporte de fora da Conceição. Foi preso na semana passada.

● Mané - Cunhado do Paulão, estaria vivendo no Litoral e, aparentemente, sem envolvimento direto com o tráfico da vila. Era o número dois no comando da quadrilha.

● Juvenal - Era o gerente de maior confiança do Paulão. Foi executado a mando de Beto Drey e abriu a crise no comando da quadrilha.

● Niel - Era investigado como o sucessor natural de Juvenal no comando dos pontos de tráfico mas, quando a guerra estourou, teria desaparecido da vila.

● Gigi - Seria um substituto para Juvenal, mas foi executado de forma cruel em agosto do ano passado na Zona Sul.

As mortes

Conflito começou no ano passado:

● Juvenil Marques de Souza Junior, o Juvenal - Foi executado a tiros na madrugada de 24 de junho do ano passado e deu início à crise de poder no tráfico da Conceição.

● Richard Alex da Silva Martins, o Gigi - Foi encontrado carbonizado e com as pontas dos dedos cortadas na Vila Nova, Zona Sul da Capital. Ele teria recebido ordens para herdar a gerência na vila.

● Anderson Willian Silva de Souza, o Sansão - Foi morto em uma emboscada na Rua Guilherme Alves, em 11 de setembro do ano passado. Filho do Juvenal, teria assumido seus pontos.

● Luiz Henrique Silveira da Silva e Pedro Henrique Matos - Dois jovens foram mortos em sequência na noite de 18 de novembro do ano passado. Seriam soldados eliminados na disputa da vila.

● Bruno Bicca - Foi morto com tiros na cabeça na frente de casa, no dia 5 de maio deste ano. Era um dos protegidos de Paulão dentro da vila.

● Carlos Maurício da Silva Rabelini, o Boquinha - Foi executado a tiros dentro de uma das casas da família do Paulão, na Rua João do Rio. A esposa do líder foi agredida nessa ocasião. A morte foi encarada como o "esculacho" ao antigo comandante.

● Rafael Pereira Santiago - Foi encontrado morto no Bairro Nonoai no dia 10 de maio. Teria sido arrancado de casa, dentro da vila. Ele era um dos "soldados" mais antigos do Paulão.

● Sandro Drey de Souza, o Galinha - Foi executado no dia 30 de maio em uma emboscada na Zona Sul. Era um dos comandantes que havia restado na família. A morte determinou a saída dos últimos parentes na Conceição. Boa parte segue refugiada na Região Metropolitana.

● Alessandro Matos Pituva - Era "soldado" do Paulão e foi executado no dia 20 de julho dentro do Patronato Lima Drummond, onde cumpria pena em regime semiaberto.

As alianças da guerra:

● A polícia investiga um possível consórcio do Paulão da Conceição com a facção Os Manos, dentro da Pasc. O traficante  forneceria armamentos e os soldados que lhe restaram para que a facção, com mais integrantes, elimine seus rivais.

● Xu, ao adotar a estratégia de eliminar os soldados do rival, estaria envolvido em uma aliança entre os Abertos e os Bala na Cara para ter poder de fogo e controle sobre as bocas da Conceição.


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