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Insegurança

Guerra do tráfico atinge 32 bairros de Porto Alegre

Levantamento do Diário Gaúcho revela que 840 mil pessoas vivem em áreas de confronto

06/06/2015 - 17h04min

Atualizada em: 06/06/2015 - 17h04min


Eduardo Torres / Diário Gaúcho
"Não consigo mais dormir direito", diz Vanderlei Whahkbrink, pai de Maurício Francioni Whahlbrink, morto com um tiro na cabeça em uma quadra de esportes

Eles não são empresários, não pagam impostos e tampouco são engravatados. Disputam espaço por território e consumidores. O negócio tem até direito a tribunal de conciliação - dentro no Presídio Central. Mas nas ruas, o que vale mesmo é a lei do mais forte.

Um levantamento feito pelo Diário Gaúcho mostra que quadrilhas de traficantes associadas a quatro facções criminosas - Bala na Cara, Manos, Abertos e Conceição - lotearam pelo menos 32 bairros da Capital (são 81 no total). A rotina de cerca de 840 mil pessoas (60% da população) é atingida, direta ou indiretamente, pelos confrontos em nome da manutenção de lucrativas bocas de fumo. São pelo menos 14 zonas de conflito nestas áreas, onde a guerra é aberta e os tiroteios, frequentes.

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O negócio é, invariavelmente, mantido por quadrilhas bem armadas. Até agora, em 2015, foram apreendidos pelo menos 78 pistolas, fuzis e metralhadoras na Região Metropolitana. Uma pequena parcela do poder de fogo dos criminosos. São grupos que ainda mantêm o domínio dos seus becos originais, mas são cada vez mais amparados por outros bandos e, em geral, administrados pelas facções que hoje controlam o Presídio Central.

- É um negócio lucrativo e, para se manter, há uma necessidade de buscar alianças. Essencialmente, para garantir ao seu grupo maior poderio bélico e preço facilitado no momento de negociar drogas com fornecedores. Quem fica fraco nessa balança, logo vira alvo do inimigo - afirma o diretor do Denarc, delegado Emerson Wendt.

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Uma estimativa extraoficial do Denarc é de que um ponto de venda de crack bem sucedido na cidade tenha lucro de até R$ 2 mil diários. Um dinheiro cada vez mais marcado pela morte. Os 32 bairros com atuação de quadrilhas concentram pelo menos 85% dos 227 assassinatos já ocorridos na Capital este ano.

- Os conflitos internos no tráfico aumentam a ousadia dos seus crimes, como um desafio entre eles que estamos tentando frear - afirma o comandante do policiamento da Capital, tenente-coronel Mário Ikeda.

Segundo Emerson Wendt, o Denarc trabalha desde o começo do ano no mapeamento dos grupos, e dos seus fornecedores de drogas, que atuam na Capital.

Mais da metade da população é atingida pela guerra do tráfico

Pelo menos 60% da população da Capital tem a sua vida afetada de alguma forma pelo loteamento do tráfico.São postos de saúde fechados, escolas vazias, tiroteios diários, toques de recolher que forçam o comércio a fechar as portas. Há quem tenha medo de dormir dentro da própria casa. Se a estatística policial aponta que até 90% das vítimas de homicídios têm antecedentes criminais, o efeito colateral desses acertos de contas vai muito além das áreas de conflito.

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Quem sente isso é o barbeiro Vanderlei Whahkbrink, 58 anos. Desde dezembro do ano passado a barbearia dele, na Avenida Bernardino Silveira Pastoriza, no Bairro Rubem Berta, não tem mais aquela alegria típica dos salões de barbeiros.

- Mudou tudo na vida da minha família. Eu não consigo mais dormir direito, fico apavorado com tudo o que diga respeito à violência. Minha esposa adoeceu e até os meus netos crianças sofrem muito - lamenta.

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Na noite de 4 de dezembro do ano passado, o filho dele, o comerciante Maurício Francioni Whahlbrink, 28 anos, foi morto com um tiro na cabeça. Ele não estava no lugar e na hora errados, como se diz no jargão policial. Maurício havia acabado de jogar futebol com amigos e se divertia em uma quadra de esportes do Bairro Sarandi quando um homem armado com pistola entrou no local atirando.

 
Vanderlei mostra a foto com o filho, Maurício, morto em uma quadra de esportes
Foto: Eduardo Torres / Diário Gaúcho

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Conforme a 3ª DHPP, Maurício foi atingido por acaso - e outras quatro pessoas ficaram feridas - em mais um capítulo na guerra entre traficantes da Vila Jardim - ligados à facção dos Bala na Cara - contra antigos aliados, atuantes no Bairro Jardim Itu Sabará. Ambos os bairros ficam a mais de 5km do local do crime. Na crescente ousadia dos crimes do tráfico, porém, isso pouco importa.

O atirador, que foi preso, tinha o objetivo de matar Luís Antônio Rosa da Fé, o Dindinho. Não conseguiu. A ordem acabou cumprida no começo de maio. Dindinho e a companheira Kellen Monteiro Dornelles, 32 anos, foram executados a tiros de pistola 9mm em plena Avenida Bento Gonçalves, Bairro Partenon, no horário de pico. O caso é investigado pela 1ª DHPP, ainda sem solução.

Acabou o medo de ir para a prisão

O diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, admite que a cidade vive em guerra constante. E os criminosos já não escolhem local ou hora para os acertos de contas.

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- As disputas são entre criminosos, mas isso está afetando a vida de toda a comunidade - afirma o delegado.

Na lista de crimes ocorridos fora dos territórios em guerra, entram assassinatos em avenidas importantes da cidade, ataques em hospitais, em ônibus e lotação. A Brigada Militar garante que tem intensificado barreiras em áreas estratégicas da cidade. Desde o começo do ano, porém, com o corte de 40% das horas extras à corporação, o déficit de brigadianos nas ruas ficou mais evidente.

O comando não fala em números, mas estima-se que, diariamente, cada batalhão da Capital tenha quatro policiais a menos no patrulhamento das ruas.

- Não está faltando policiamento nas ruas. A Brigada Militar continua prendendo muita gente e apreendendo muitas armas e drogas. O problema é que, realmente, o criminoso já não tem medo de ser preso - garante o comandante do policiamento da Capital, tenente-coronel Mário Ikeda.

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Segundo Ikeda, neste ano, quatro mil pessoas já foram presas em flagrante em Porto Alegre. Nem caberiam no Presídio Central. Boa parte volta para as ruas menos de um dia depois.

- No caso do tráfico, quando um é preso, logo tem outro em seu lugar. Como a prisão não funciona como deveria, na ressocialização das pessoas, aquele que sai da cadeia vai voltar à mesma função - calcula o tenente-coronel.

Chegar aos líderes destas quadrilhas nem sempre significa neutralizar as alianças das ruas. Acontecem justamente nas cadeias, nas galerias dominadas pelas facções, as principais articulações internas desses grupos.

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- O homicídio é o fim da linha que hoje é articulada cada vez mais na cadeia. A cada investigação, confirmamos que as alianças, compras de drogas ou de armas são planejadas a partir das galerias - confirma o delegado Paulo.


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