Seu problema é nosso
Por que as filas do SUS parecem não ter fim
Duas filas organizam a longa espera por atendimento no sistema público: a primeira é a de espera por um leito hospitalar, e a outra para início do tratamento
A busca por atendimento especializado no SUS costuma esbarrar em duas longas filas. Primeiro, à espera de um leito hospitalar. Depois, pelo tratamento adequado. O Diário deparou com histórias que ilustram estas situações: Vicente Paulo Schutz, 54 anos, e Marlon Renato da Silva Almeida, 30 anos.
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Para entender o problema, o DG ouviu o secretário estadual da Saúde, Francisco Zancan Paz. As respostas aos porquês começam a surgir no início do processo. A porta de entrada dos pacientes é feita em uma Unidade Básica de Saúde (posto ou equipe de saúde da família) ou pelos serviços de emergência (pronto atendimento, urgência de hospitais ou pronto socorro).
Após a constatação da necessidade de atendimento especializado, a secretaria municipal de saúde entra em contato com a regulação estadual.
— Não há uma regra de prazos entre a primeira consulta e o próximo atendimento. A única lei que existe é da oncologia, que diz que a pessoa que tem o diagnóstico fechado de câncer deve iniciar o tratamento em 60 dias, podendo ser de ambulatório, sem internação — explica Francisco.
Desde fevereiro
Esperando há mais de dois meses pelo procedimento que promete estancar suas dores nas costas, Vicente, motorista aposentado, não sabe a quem recorrer. Em maio de 1998, fez a primeira cirurgia para retirada de uma hérnia de disco, no Hospital Dom João Becker, em Gravataí.
O aposentado foi internado em 4 de fevereiro deste ano no mesmo hospital, à espera de transferência para uma unidade apta a realizar a cirurgia que vai tratar uma nova hérnia:
— Não saio daqui desde fevereiro, uso morfina regularmente, senão a dor é insuportável. Me sinto desamparado, sem saber quando vou melhorar, sem nenhuma previsão.
O aposentado foi diagnosticado pela primeira vez em 1989 e, após oito anos de tratamentos paliativos, foi encaminhado para cirurgia. Em agosto de 2013, Vicente precisou fazer nova operação. Seis pinos e uma placa foram colocados em sua coluna.
Exame em clínica particular
Aguardando a entrada no sistema, em uma fila de espera diferente, o chapista Marlon, desde novembro, já com a suspeita do câncer, aguardava consulta em uma unidade básica. Em janeiro deste ano, cansado de esperar, fez a tomografia que confirmou um tumor de testículo em uma clínica particular.
Com células cancerígenas se espalhando para o pulmão e os rins e duas idas frustradas à Secretaria Municipal de Saúde, a família entrou em pânico. Em abril, 66 dias depois de comprovar a presença do tumor, foi às pressas ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, na Capital.
— Ficamos umas 12 horas na emergência, até conseguir um leito. As dores estavam insuportáveis, a gente sabia que algo precisava ser feito o mais breve possível. Até hoje, não recebemos nenhum contato da Secretaria — conta o irmão de Marlon, Maicon da Silva Almeida, 30 anos.
O diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Dr. Rui Weschenfelder, explica que quanto mais tempo leva para iniciar o tratamento, maior é a chance do número das células anormais aumentar e, assim, do tumor crescer e se espalhar para outros órgãos. O médico explica que o tratamento oncológico demanda um planejamento organizado, antes de começar a tratar:
_ Sem dúvida 60 dias é uma medida administrativa de tentar fazer com que o sistema funcione. Mas, do ponto de vista clínico ainda é um prazo muito amplo.
Rui Weschenfelder explica que com um atraso maior, o tempo hábil para controlar a doença é comprometido.
_ Certamente, quanto maior o tumor estiver e se tiver saído do órgão de origem, a metástase, certamente diminui as chances de cura deste paciente.
Questão de regulação
— Eventualmente, a pessoa tem que esperar alguns dias para que se abra uma vaga. Algumas vezes, não tem em lugar nenhum. A exceção são as emergências, com risco de vida — relata o secretário estadual da Saúde, Francisco Paz.
O SUS é organizado de acordo com o princípio da municipalização. O objetivo é estabelecer nos municípios uma regulação própria, bem como gestão de recursos e contratos. Neste sentido, existem as Gestões Plenas, que já conseguem administrar praticamente todas as questões. Ainda dependem de referências bancadas pelo Estado em algumas situações, mas priorizam a resolução dentro da cidade. A administração estadual tem hoje a gestão de 30% dos recursos.
O Estado estabeleceu redes de referência nas especialidades, organizadas pelas sete macrorregiões do Rio Grande do Sul. De acordo com a capacidade de atendimentos, o número de consultas e exames é distribuído nos municípios.
— Ninguém acredita que o sistema esteja totalmente pronto e perfeito, mas sim em constante organização. Estamos preparando uma nova forma de gerenciamento com sistemas atualizados. Mas sempre vão acontecer problemas se as pessoas não seguirem os trajetos que estão previstos — afirma o secretário.
Esclarecimentos
A Secretaria Estadual da Saúde afirmou que Vicente e Marlon estão na regulação da Secretaria de Saúde de Porto Alegre. Sobre o descumprimento da regra — estabelecida pelo Ministério da Saúde, portaria N º 876 de 16 de maio de 2013 — dos 60 dias de espera nos casos oncológicos, o órgão estadual informou que "a lei não prevê nenhuma penalidade".
A prefeitura de Gravataí informou que Vicente, quando internado, foi cadastrado no GERINT (sistema informatizado de gerenciamento dos leitos hospitalares utilizado pela Central de Regulação de Leitos do Estado e de Porto Alegre) em busca de transferência inter-hospitalar. Em nota, o município explicou que o Hospital Dom João Becker deu alta para o paciente na terça-feira passada, enviando- o para atendimento ambulatorial.
Em relação a Marlon, a Secretaria Municipal da Saúde de Gravataí afirmou que, por falta de documentos do paciente, a situação só foi encaminhada no sistema do Estado em 27 de fevereiro. A prefeitura declarou que não entrou em contato com o paciente até o momento por não ter recebido informações sobre o agendamento.
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre informou que a solicitação de transferência de Vicente foi encaminhada via sistema a cinco grandes hospitais da Capital, que não disponibilizaram leito até o momento. Sobre o caso de Marlon, afirmaram que, em 6 de abril, o Hospital Conceição abriu uma solicitação, internando o paciente no mesmo dia.
Como buscar ajuda
/// Francisco Paz afirma que as possíveis dificuldades enfrentadas pelos pacientes nesse caminho podem ser encaminhadas para as ouvidorias municipais, estaduais ou do Ministério de Saúde, que dará orientações sobre como proceder.
/// O contato com a Secretaria Estadual de Saúde pode ser feito pelo telefone 0800-6450-644 (das 8h às 18h, em dias úteis) ou no site da Ouvidoria da SES .
/// Na Capital, o atendimento é feito pelo telefone 156 (segunda a sexta- feira, 24 horas), no site da SMS e na Avenida João Pessoa, 325 (das 8h30min às 12h e das 13h às 17h, de segunda a sexta- feira).
*Produção: Leticia Gomes