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Espera sem fim: atrasos em pedidos de aposentadoria pelo INSS atingem 73 mil gaúchos

Este é o número de pessoas que, até 17 de junho, esperavam pela carta de concessão do benefício por idade e por tempo de contribuição há mais de 45 dias, período máximo indicado pelo STF em 2014

27/06/2019 - 04h00min

Atualizada em: 27/06/2019 - 11h36min


Marco Favero / Agencia RBS
Maritza aguarda um retorno há 407 dias

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 27 de agosto de 2014 determina: o prazo para que o INSS responda a uma solicitação de aposentadoria é de 45 dias. Porém, dados obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação mostram que, para 73.513 cidadãos do Rio Grande do Sul, esta determinação não é cumprida. Este é o número de pessoas que, até 17 de junho, esperavam pela carta de concessão do benefício — por idade e por tempo de contribuição — há mais tempo. Em alguns casos, a espera passa dos 400 dias.

Nesta reportagem, conversamos com quem aguarda e com especialistas da gerência-executiva da Previdência Social da Capital e do Ministério Público Federal (MPF). Para o INSS, a demora decorre das mudanças no sistema de agendamentos, com a implementação do canal Meu INSS – ferramenta online que possibilita a qualquer cidadão fazer agendamento e abertura do pedido. Conforme a instância regional, o problema é agravado pela falta de servidores. No entendimento do MPF, a solução também esbarra na contratação de funcionários. 

Entretanto, conforme o anúncio feito no sábado passado pelo presidente Jair Bolsonaro, o governo federal não deve realizar concursos públicos nos próximos anos.

DGINSS
Dados recebidos via Lei de Acesso à Informação

Redução de servidores contribui para a demora

De acordo com a gerente da Agência da Previdência Social Digital (APS Digital), Ana Avallone Dreher, há cerca de 20 mil processos aguardando conclusão apenas na gerência-executiva de Porto Alegre, que compreende também Alvorada e Viamão.

— Esse dado é sobre os benefícios que a Direção Central classificou como serviços prioritários: as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição, para professor e especial, e também os benefícios assistenciais da pessoa com deficiência e do idoso, pensões por morte urbana e rural, salário-maternidade e auxílio-reclusão — destaca.  

Apesar do número expressivo de pessoas que enfrentam o atraso na análise dos benefícios, o gerente-executivo da Previdência Social de Porto Alegre, Claiton Pereira Soares, afirmou que a espera do contribuinte não mudou:

— O tempo de análise continua o mesmo de sempre, de 180 dias. É uma ficção da sociedade  de que aumentou o tempo de espera para a análise. Para analisar um seguro de uma vida laborativa toda, esse prazo de seis meses não é um período tão grande. Entendemos as dificuldades de quem pede e quer ter seu resultado, mas, no mundo real, isso às vezes não acontece. 

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Segundo a gerência-executiva, antes, o contribuinte esperava em casa pelo agendamento da entrega da documentação. Nesta modalidade, os atendimentos na agência física do INSS eram conforme a capacidade dos servidores de concluírem as solicitações. Agora, a entrada com o pedido de aposentadoria pode ser feita pela plataforma online Meu INSS ou pelo telefone (135). Em poucos dias, o trabalhador entrega sua documentação na agência. Contudo, os documentos são arquivados até que os servidores consigam analisar.  

— Nossa capacidade de atendimento de análise continua igual ou menor. Na gerência Porto Alegre, tivemos uma redução de quase 40% dos servidores – 137 funcionários a menos. Esses dois fatores (a mudança no sistema de agendamentos e o número menor de servidores) contribuíram para que aumentasse a quantidade de processos represados — explica a chefe da divisão de benefícios Lizania Mendina Rodrigues.


Esperas ultrapassam um ano

Questionada sobre os casos que aguardam resposta há mais de um ano, a equipe garante que não é por inércia:

— Pode ter casos aguardando acima de um ano, mas, provavelmente, é porque falta alguma diligência do segurado, uma certidão, uma documentação — garante a gerente da APS Digital.  

A orientação dada pela gerência-executiva é de que, quando o cidadão tiver de ir à agência do INSS, após agendamento, leve toda a sua documentação. Segundo o INSS, o requerimento é aberto mesmo com a papelada incompleta, mas, no decorrer do processo, é provável que haja problemas com as comprovações. 

Contudo, os solicitantes contatados pela reportagem – que também aguardam há um ano ou mais pelo resultado da análise – garantem nunca terem sido informados a respeito de eventual falta de documentação, bem como alegam não ter recebido qualquer tipo de retorno por parte do INSS.

Sem expectativa para a contratação de novos servidores, a gerência-executiva de Porto Alegre projeta a “readequação da rede de atendimento”. 

— A matemática é exata. Se eu tenho 12 mil requerimentos todos os meses, temos que ter um número X de pessoas para dar conta desses requerimentos e, hoje, não temos essa capacidade de vazão por causa da saída dos servidores do INSS — explica o gerente.

"Parei com o remédio para o coração, não posso comprar" 

A espera também faz parte da vida do vendedor ambulante Ulisses Cabral Leal, de Esteio. Prestes a completar 66 anos, ele solicitou aposentadoria por idade urbana em 27 de junho de 2018. De lá pra cá, já são 365 dias aguardando pelo retorno do INSS. 

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Ulisses está há 365 dias aguardando pelo retorno do INSS

— Fui três vezes lá, e só sabem dizer que está em análise. Vai fechar um ano, e nada de vir a resposta. Enquanto isso, sigo numa situação precária — conta. 

A quantia que ganha com a venda de espanadores de pó não é suficiente para seu sustento. Por ser idoso, tem dificuldades para obter um emprego formal. 

— Não consigo vender quase nada, pois ninguém está comprando muito. Há dias em que não consigo tirar nem o dinheiro do almoço. Também parei de tomar meu remédio para o coração, pois não tenho como comprar. Já tentei procurar emprego, mas ninguém quer dar serviço para alguém com a minha idade — desabafa. 

Sem conseguir pagar os R$ 450 mensais do aluguel da residência em que vivia, precisou se mudar para a casa do filho. Para ele, a aposentadoria é sua única saída: 

— Estou desesperado. Me sinto o pior dos homens por, nessa idade, precisar depender dos outros. Já não sei mais para que lado correr, só espero que minha vida melhore.

Maritza: sem forças para continuar trabalhando

A atendente de nutrição Maritza Azevedo Carneiro, 57 anos, de Porto Alegre, faz parte dos 73.513 gaúchos que convivem diariamente com a espera pelo retorno do INSS. Com diabetes e apenas um rim — o segundo órgão precisou ser removido durante procedimentos para tratamento de um câncer no colo do útero —, Maritza recebeu o auxílio-doença por 15 anos.

Em 2017, o benefício foi cortado, e ela precisou retornar ao mercado de trabalho, mesmo convivendo com as complicações causadas pelos problemas de saúde. 

No atual emprego, em um hospital, a atendente é responsável por levar a alimentação para os pacientes, fazendo uso de um carrinho para transportar as refeições. Ela relata ter dificuldades para exercer a função: 

— Trabalho o tempo todo em pé, e o carrinho é pesado, não consigo empurrar. Tem dias em que não consigo trabalhar e tenho dificuldade até para subir no ônibus, pois sinto muita dor nas pernas. Até minha chefia acha que não tenho mais condições de trabalhar, mas não tenho o que fazer, não posso largar o serviço porque, só em remédios, gasto mais de R$ 200 por mês. 

Descaso 

Diante dos problemas enfrentados, em 16 de maio de 2018, Maritza solicitou a aposentadoria por tempo de contribuição. A previsão de 45 dias para obter resposta à solicitação ficou só na promessa: desde então, 407 dias se passaram, e o pedido permanece em análise. 

— Ligo para o (telefone) 135 umas três vezes por semana, e só dizem que está em análise. Por último, falaram que meu processo está em uma averiguação interna. Que averiguação é essa? Como maior interessada, penso que eles deveriam me falar, mas não explicam nada direito. É muito descaso — desabafa. 

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Recomendação de novo concurso

Frente às “inúmeras ações judiciais e denúncias recebidas”, o Ministério Público Federal de Brasília (MPF-DF) apresentou uma recomendação ao Ministério da Economia (ME), no dia 23 de abril, orientando a recomposição do quadro de funcionários do INSS. O documento é um instrumento de autuação extrajudicial e tem o objetivo de aconselhar ações a serem tomadas para resolver determinada questão, a fim de evitar que seja acionada a Justiça. 

Na Recomendação 19/2019, o MPF-DF considera que a falta de aproximadamente 10 mil servidores no INSS é o principal motivo para o atraso nas análises de concessão de benefícios. Deste modo, cobra que o Ministério da Economia autorize a realização de um novo concurso público para reposição das vagas. 

Entre os argumentos, o MPF-DF citou os prejuízos causados a quem espera pela resposta à solicitação dos benefícios – no geral, pessoas que enfrentam dificuldades financeiras – e o custo que possíveis ações contra o INSS poderiam causar à União. 

Conforme a recomendação, um novo concurso deveria ser realizado em até 180 dias após a autorização do ME, sendo que a pasta da Economia deveria manifestar parecer favorável ou contrário às orientações apresentadas pelo MPF dentro de 30 dias depois do envio do documento. 

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Sem possibilidade de seleção

Por nota, o Ministério da Economia informou que “a atual situação fiscal do país limita a atuação da administração pública em ações que acarretem impactos orçamentário-financeiros tanto para este ano quanto para os exercícios subsequentes, o que impossibilita a autorização de realização de um concurso público para o INSS neste momento”.

Questionado sobre outras medidas para agilização dos processos de análise das aposentadorias, o Ministério afirmou estar “trabalhando em conjunto com o INSS”. A pasta defendeu medidas como “mapeamento, otimização e automação de processos; a revisão de procedimentos e modernização de normativas internos; e a realocação de pessoal entre unidades do próprio órgão”. Não foram citados prazos.

Ação judicial

Contatada pela reportagem, a Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, responsável pelo envio da recomendação, afirmou que, diante da negativa dada pelo Ministério da Economia, irá “ajuizar um pedido de seleção pública” nos próximos dias. Não foi informado prazo para que a ação judicial seja protocolada, mas o texto já estaria sendo formulado. 

Com a abertura do processo, o caso passa a ser deliberado na Justiça. Se o MPF ganhar a causa, o Ministério da Economia ficará obrigado a autorizar a realização do concurso. 

Saiba mais

Além dos atrasos nas respostas aos pedidos de aposentadoria, outra preocupação de quem está por se aposentar é a reforma da Previdência, que está em discussão no Congresso Nacional. Veja os possíveis impactos a seguir.

Encaminhei meu pedido e ele está ainda sem resposta. Se a reforma for aprovada nesse meio tempo, qual regra vai valer para mim? 

Se você já cumpriu todos os requisitos para o benefício, possui direito adquirido. Nesse caso, independentemente de dar entrada no pedido antes ou depois da reforma, o seu direito à aposentadoria é garantido. Entretanto, caso você tenha feito o encaminhamento e não cumpra os requisitos, valerá a regra vigente quando eles forem cumpridos. Lembrando que para as aposentadorias por tempo de contribuição, é exigido um recolhimento de, no mínimo, 35 anos. No caso das aposentadorias por idade, a exigência muda para ao menos 15 anos de recolhimento e 60 anos de idade, no caso das mulheres, e 65 anos para os homens.

Em que situação está a reforma da Previdência? 

Hoje, o relatório que substitui o texto original está sendo discutido em Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Não há prazo para a aprovação. 

Fonte: presidente da Comissão Especial de Seguridade Social da OAB/RS, Tiago Kindricki.

Produção: Ásafe Bueno, Camila Bengo e Caroline Tidra

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