"Casulos"
Para enfrentar enchentes e gerar renda, moradoras da Ilha do Pavão costuram capas que viram bolsas impermeáveis com panos de guarda-chuvas
Acessório é vendido a R$ 30. Organizações não-governamentais que distribuem cobertores à população em situação de rua são os principais clientes
A pedagoga Sandra Ferreira, 52 anos, mora na Ilha do Pavão, uma das regiões mais pobres de Porto Alegre, há uma década. Não é nativa do bairro Arquipélago, mas aprendeu que, via de regra, o inverno traz consigo enchentes que destroem os móveis das casas.
Para enfrentar a estação recém iniciada, Sandra e outras voluntárias da Associação Vitória da Ilha do Pavão organizaram um projeto que tem como objetivo amenizar as perdas. A ação funciona de duas formas: gerando renda e protegendo os bens de quem ficou sem teto. Elas desmontam guarda-chuvas quebrados e costuram os tecidos no formato de grandes colchas impermeáveis. Dobrada, a capa vira uma bolsa, usada para proteger os itens pessoais.
São necessárias nove sombrinhas para atingir o tamanho, de quase dois metros, suficiente para cobrir mesmo as pessoas mais altas. São oito panos para o corpo e mais uma recortada como touca.
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Chamadas de “casulos”, as vestimentas são vendidas a R$ 30. Tem como clientes principais as organizações não-governamentais que distribuem cobertores à população em situação de rua. Parte acaba sendo entregue na própria comunidade, uma preparação para a época de cheia dos rios, entre agosto e outubro.
— Muitas vezes a pessoa tem um cobertor grande, mas que molha e não serve mais. Com o casulo, ele pode se tapar e se protege da chuva — explica Sandra, que além de viver na ilha, preside a associação.
Iniciado há cerca de dois meses, o projeto foi levado até o Arquipélago pela ONG Em Comum. Já a ONG Misturaí, parceira da associação, emprestou as máquinas para coser os casulos. Atualmente, a ação é tocada por três costureiras na ilha. A matéria-prima é doada por quem auxilia os ribeirinhos ou pelos papeleiros da região.
Noêmia Severo, 54 anos, diz ser esta a única forma de sustentar os quatro filhos que ainda vivem com ela — outros quatro já saíram de casa. Em um dia, a mulher afirma finalizar três casulos. Além do dinheiro, garante ter alcançado um sonho de criança: aprender a costurar.
— Eu faço as capas com muito amor. Tenho o pagamento e ainda sei que vai ajudar outras pessoas. Agora que me empolguei não quero mais deixar a costura — diz.
Com o lema “lixo zero”, os arames de metal e os plásticos retirados da sombrinha têm como destino os galpões de reciclagem do bairro.
Parte da verba obtida pela venda mantém a associação, e outra parcela vai para as trabalhadoras.
— Antes de ser proibido, eu saía de casa com o carrinho às 6h, com chuva ou com sol. Isso aqui tem me ajudado muito — explica a outra costureira, Cristina Cardoso, 34 anos.
A associação aceita todo tipo de doação, desde alimentos até produtos de higiene. Nos últimos dias, o prédio localizado na Rua A, quase embaixo da BR-116, ganhou o grafite de um artista local, que estilizou um pavão colorido na fachada. Janelas e portas foram pintadas de violeta. Uma caixa d’água é o bem mais recente, celebrada por Sandra como se fosse em sua própria residência.
— É tudo muito difícil aqui — complementa.
Contato para doações, compra dos casulos ou qualquer outra ajuda para a Associação Vitória da Ilha do Pavão pode ser feito pelo telefone (51) 98192-8381, número que também é WhatsApp.