Cultura negra
Únicas permissionárias negras do Mercado Público criam campanha para reabrir loja no segundo andar
Associação formada por mulheres da Zona Norte é a única com permissionárias negras no Mercado Público. Grupo busca auxílio para reabrir espaço no segundo andar do prédio histórico.
Um grupo de moradoras da zona norte de Porto Alegre está empenhada em manter de pé uma conquista muito importante. Criadoras da Beijo Frio, banca de sorvetes, pizzas e tortas, elas são as únicas permissionárias negras do Mercado Público da Capital. Seu objetivo é reabrir até o final do ano o espaço que ocupavam no segundo andar do prédio histórico, incendiado em 2013.
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Com área ampla e focado em fortalecer a presença da cultura negra no Mercado Público, o novo ambiente deve ter espaço para reuniões e até uma pequena biblioteca. Se antes, eram 30m² ocupados no segundo piso, agora serão 90m². Entretanto, para que isso se realize, além do apoio externo, a turma precisa superar os desafios impostos desde o início da pandemia, que reduziram o público e, principalmente, a participação da Beijo Frio em eventos, o que era uma importante fatia do ganho da associação que administra o negócio.
A história da Beijo Frio se mistura com a virada do século. Entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, um inconformado grupo de mulheres negras da Zona Norte resolveu se juntar para buscar o próprio sustento. No início, vendiam sorvetes adquiridos de fornecedores. Mas, com a percepção de que produzir o próprio sorvete poderia ser mais lucrativo, saíram em busca de equipamentos próprios. A primeira máquina de produção, que já era usada, foi adquirida em 2001 por R$ 1,5 mil — mais de R$ 5 mil em valores corrigidos —, e segue operando até hoje.
— Pedi ao meu marido que antecipasse as férias do trabalho para darmos entrada na máquina. O resto parcelamos sem nem saber como íamos pagar — conta Iara Fátima Rufino, 65 anos, umas das fundadoras da banca.
Chegada
Consolidadas, elas iniciaram a participação em festas, feiras e festivais locais, além de eventos e escolas onde eram convidadas a trabalhar. Logo, em 2003, o grupo chamou atenção da antiga Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic). Iara recorda que, em uma reunião na secretaria, o grupo recebeu a oportunidade de escolher um ponto fixo para atuarem, entre o Mercado Público, a Avenida Borges de Medeiros ou o Brique da Redenção.
A primeira opção foi certeira. Porém, o processo empacou. Foi somente em 2008 que as mulheres da Beijo Frio receberam o aval para operar no prédio histórico que divide espaço com o Largo Glênio Peres, no Centro. Infelizmente, Iara cita que o grupo sofreu preconceito e demorou até ganhar crédito e respeito no local.
— Achavam que a gente ia abrir uma lojinha qualquer, mas trabalhamos duro por quase um ano até inaugurar nosso espaço no segundo piso — recorda.
Incêndio abalou os planos
Com a promessa de fomento da cidade em 2014, graças à Copa do Mundo, a associação investiu fortemente na reforma da loja. Mas, em julho de 2013, tudo virou cinza. O incêndio no segundo piso do Mercado Público derreteu tudo que a Beijo Frio havia consolidado em pouco mais de 10 anos. Os maquinários, por sorte, ficam na casa de Iara, no bairro Nova Gleba, onde os sorvetes e também as pizzas e tortas são produzidas:
— Não sobrou uma colher sequer. Voltamos à estaca zero, assim como muitos colegas que trabalhavam na parte superior.
Desde 2013, depois do incêndio, a Beijo Frio opera em um espaço improvisado no primeiro andar. Mas a situação ficou complicada com a chegada da pandemia. As feiras e eventos, uma parte importante da renda, foram suspensas. Restou a operação no Mercado Público, também afetada pelas limitações impostas pelo distanciamento social. Atualmente, apenas Iara tem mantido as operações da loja, enquanto as outras meninas trabalham na produção na sede da Zona Norte.
Financiamento coletivo para reabertura
Com a previsão de reabertura do segundo andar ao público até o final do ano, o grupo se mobiliza para angariar ajuda por meio de uma vaquinha online. O objetivo é arrecadar, pelo menos, R$ 20 mil para colocar o espaço em funcionamento. A nova loja, de 90m² deve ser mais do que uma sorveteria. A ideia é ter nesse novo local, além da produção de sorvete, área cultural com livros e exposições, além de espaço de reuniões.
— O objetivo é construir um espaço no Mercado Público, conhecido também pelo Bará do Mercado, de resgate da raiz negra de Porto Alegre. De ser um local de referência gerido e pensado por mulheres negras — pontua Iara.
Vera Lúcia Valério, 74 anos, também umas das fundadoras da Beijo Frio, acredita na importância das ferramentas culturais como maneira de inserir o povo negro no Mercado Público.
— Existe muito preconceito, sentimos por vezes que parecem não querer pessoas pretas neste meio. Sempre querem diminuir a gente. Conseguimos chegar até aqui a pau e corda. Então, queremos montar essa loja maior para colocar pessoas da nossa cor, da nossa raça aqui dentro — cita Vera.
Como ajudar
/// As doações são aceitas por meio da vaquinha online.
/// Mais informações sobre como ajudar podem ser obtidas pelo telefone (51) 98411-0848, com Vitória.