Papo Reto
Manoel Soares: À prova de mágoa
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados
Se o cara que inventou o colete à prova de balas ficou rico, quem criar o colete à prova de mágoa vai dominar o mundo. É muito difícil curar um coração partido. Fere mais que bala, parece que tem uma bomba querendo explodir dentro do seu peito e, às vezes, dói tanto que parece que só dormindo passa. Muitos podem até meter marra, achando que estão imunes a isso, mas não estão. Todos nós merecemos a alegria de sermos amados. Aqueles que renunciam a esse momento ficam buscando a alegria em lugares artificiais, controlados, mas o descontrole do amor é que faz ele ser mais valioso.
Porém, esse jogo não é previsível e, por mais que os amores existam e sejam reais, sua mulher pode pegar o ônibus e ao lado dela sentar alguém que leve seu coração para um lugar que ela nunca foi, assim como você pode olhar nos olhos da operadora de caixa do mercado e ser arrebatado para um paraíso que faz até a respiração ser mais gostosa. Quando esse momento chega, e pode chegar, somos levados para um lugar de decisão dolorosa: seremos fiéis à pessoa que está conosco e não cederemos aos desejos do corpo e do coração? Ou seremos fiéis aos nossos sentimentos daquela hora, quebrando o compromisso com nossa pessoa em nome da certeza de que a vida é uma só e que temos que viver até a última gota?
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Claro que a segunda opção é a mais recusada e a primeira é a mais recomendável – baseado em nossa cultura monogâmica, eu concordo com ela. Porém, também aparecem os impactos da renúncia: quando castigamos nosso desejo renunciando à oportunidade de sentir e viver algo que se anunciou, corremos o risco de pesar o ambiente em casa, cobrar a pessoa junto a nós por uma decisão que ela nem sabe que existiu. O homem que se gaba de fidelidade, mas se vê no direito de ser machista e grosso em casa. Ou a mulher que em nome da dedicação incondicional à família não investe na intimidade alegre do casal. Essas situações e sensações não moram em nosso consciente, sendo assim, temos que acreditar a autovigilância é um dos caminhos mais seguros para que a magoa não fure o colete de nossos amores, entender cada escolha e cada renúncia. Um caminho que pode ajudar é, na hora da decisão, se perguntar: Se der tudo errado, terá valido a pena? Dependendo da resposta, você mergulha ou recua.