Sucesso sertanejo
"Se acha que ainda existe machismo, imagina o que Roberta Miranda passou", diz a cantora, que celebra 30 anos de carreira
Cantora lança DVD com participações de cantoras da nova geração e celebra três décadas de sucesso como a precursora da mulherada no gênero
Uma mulher forte, à frente do seu tempo, que canta sertanejo de raiz há 30 anos, enfrenta o machismo, mas dá as devidas respostas. E ainda posta nudes aos 60. Este poderia ser um rápido resumo de quem é Roberta Miranda, uma das grandes estrelas da história da música sertaneja que celebra três décadas de sucesso.
Ela, que despontou no fim de 1986, presenteia os fãs com um lançamento que é generoso, como era de se esperar da rainha do sertanejo, como ficou conhecida. Para comemorar, chama a mulherada ao palco para gravar o álbum Os Tempos Mudaram. Nele, reúne expoentes da nova geração do "feminejo". Desvende a sua trajetória fascinante e conheça melhor esta pioneira em entrevista exclusiva.
O projeto de Os Tempos Mudaram (R$ 19,90, o CD, com 14 faixas, e R$ 29 o DVD, com 21) nasceu há dois anos. A proposta era celebrar o reinado de Roberta, mas a própria declinou e quis que tudo fosse dividido, pois, segundo ela, “todas são rainhas”.
No disco, ela faz um passeio por seus 30 anos de estrada, acompanhada, exclusivamente, de um time feminino. Na gravação, que aconteceu em 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher, em São Paulo, contou com nomes que despontaram nos últimos anos, para dividir os vocais com ela.Está lá o time nas músicas: Tempos Mudaram, com Marília Mendonça, Boate Azul, com Day & Lara, Dói, com Naiara Azevedo, São Tantas Coisas, com Simone & Simaria, Meu Dengo, com Solange Almeida, Vá Com Deus, com Maiara & Maraísa, e o grande momento do disco, Majestade, O Sabiá, quando todas voltam ao palco com Roberta.Orgulho
– Foi lindo no dia que vi o DVD pronto, foi a coisa mais linda do mundo. A gente brincou nesse palco, foi tudo leve. Elas sabem como eu as amo. A gente troca mensagens por “zap” (WhatsApp), e eu as chamo de “meus bebês”, meus amores. Tenho muito orgulho delas – afirma Roberta em entrevista por telefone.
Para a veterana, as meninas surgiram na hora certa:
– Esse tempo todo, as gravadoras quiseram fazer uma nova Roberta Miranda. Agora, temos todas essas, que sabem que, em mim, têm colo.Ainda no novo trabalho, inéditas, como O Meu Coração Disse Sim, e um tango, Pecado de Amor e Abandono, com acompanhamento de um acordeão.
Pioneira abriu as porteiras
No mais recente levantamento da Crowley, empresa que monitora a execução de canções no Brasil, a quarta faixa mais tocada em todo o país, dos dias 16 a 22 de julho, é Avisa Que Eu Cheguei, de Naiara Azevedo com participação de Ivete Sangalo. Normal nos dias atuais, em que a mulherada bomba na música nacional, principalmente no "feminejo", certo?
Há quase 31 anos, no fim de 1986, o cenário era completamente diferente. Na época, Maria Albuquerque Miranda (nome de batismo de Roberta) lançava o seu primeiro disco, Volume 1, com canções que estouraram na boca do povo como São Tantas Coisas, Na Hora H e Meu Dengo. O primeiro álbum vendeu mais de 1,5 milhão de cópias - ela foi a primeira cantora do país a atingir tal vendagem -, rendendo-lhe disco de ouro e de platina.
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Na época, é importante que se ressalte, poucos nomes femininos se arriscavam na música, como Sula Miranda, que teve sucesso por alguns anos, segue em atividade, mas que perdeu força entre o fim dos anos 1980 e 1990. Tempos, também, em que estouraram João Paulo & Daniel, Zezé Di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo e Chitãozinho & Xororó – todos homens.
Demorou
A paraibana Roberta, considerada a rainha da música sertaneja no país, recorda que foram necessários 24 anos até que a indústria musical conseguisse emplacar outra mulher forte: Paula Fernandes, que estourou em 2010, após participar do especial de fim de ano de Roberto Carlos, na TV Globo.
– Durante 25 anos (24, na verdade), eu ficava falando: "Cadê as mulheres (cantoras)? Cadê?". E, agora, estamos celebrando essa invasão feminina – comenta a cantora, com invejáveis 24 discos lançados e mais de 20 milhões de cópias vendidas.
Ousadia
Nas redes sociais, a sertaneja mostra uma versão sua pra lá de descolada com 1,2 milhão de seguidores. Ela já postou um vídeo com os seios à mostra – a ideia era reforçar a importância de realizar o exame de mamografia.
Em outra, posou de calcinha, salto alto e sutiã, recebendo elogios dos seguidores. E em uma das mais bem-humoradas, ainda exibiu o bumbum, inspirada em uma imagem de Justin Bieber, em 2016, que viralizou nas redes:
“Ai, meu Deus, vão puxar a orelha da #Roberta !! #Help @justinbieber #RobertaMiranda #uiiiiiii #kkkkk”, escreveu ela, que recebeu apoio dos fãs.
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No início de tudo:
"Foram cruéis, animais comigo"
Em mais de 40 minutos de entrevista, por telefone, de São Paulo, Roberta bateu forte em uma questão que considera fundamental combater: o machismo. Lembrou-se do que sofreu quando começou a sua carreira e se revelou fã de um grupo nativista gaúcho.
Diário Gaúcho – O título do DVD, o fato de teres convidado somente mulheres e uma foto tua na capa, sorrindo, dão a ideia de realização, de felicidade pelos tempos que mudaram. Seria isto mesmo?
Roberta Miranda – Eu fui tão feliz neste título, dentro de todo o contexto da minha vida, que não teria nada melhor para indicar como nome de um DVD tão importante. Tudo o que está acontecendo hoje na música nacional, essa onda sertaneja, não teria nada mais significativo. E vida é mutável, né?
Diário – Como tu, considerada uma das pioneiras das mulheres na música sertaneja, enxergas este surgimento de tantas cantoras talentosas? Acha que isto seria possível na tua época?
Roberta – Era bem mais difícil, a internet facilita muito. Hoje, você olha um clipe de Simone & Simaria com 100, 200 milhões de visualizações fácil, fácil. Vejo isto com muito orgulho, muito carinho. Com o meu currículo, eu não tenho espaço para sentimentos ruins. Olho para elas com aplausos. É lindo o que está acontecendo. Naquela época (nos anos 1980), eu passei por muita coisa, fiz um juramento que nunca deixaria uma colega da música passar pelo que passei.
Diário – Por situações de machismo, por exemplo?
Roberta – Isto e mais... Foram cruéis, animais comigo. Situações de machismo, de xingamentos. Na época, ouvia coisas do tipo: "Mas vem cá, o que essa jacu está fazendo no palco?" e "Por que não deixa o campo para nós"?Retratos – E quando tu fizeste sucesso, este quadro mudou?Roberta – Ah, meu querido, daí, tinha gente aos montes querendo entrar nas minhas canções como parceiro, e eu dizia: "Cara, você não vai entrar". Tive que reeducar estes homens.
Diário – Quando as cantoras te falam dos problemas de hoje com elas na música, qual é a tua reação?
Roberta – Dou risada. Mesmo sabendo que ainda existe hoje, nem se compara. Eu sempre digo para elas: "Se acha que ainda existe (machismo), imagina o que Roberta Miranda passou!". Não quero que passem pelo que passei, tenho o maior carinho por elas.
Diário – Chegaste a pensar em desistir da carreira?
Roberta – Foi terrível! Em algumas vezes, pensei em parar, esmorecia. Mas o amor e a paixão pela arte falaram mais alto.
Diário – A turnê deste show tem previsão de chegar ao Rio Grande do Sul? Qual é a tua relação com a música daqui?
Roberta – Eu adoro vocês! Já tive o prazer de fazer muitos shows por aí. Espero ir logo. Eu ouço Os Serranos direto! Gosto da música gaúcha, do cancioneiro regional, principalmente, da melodia. Ela pega fundo na alma da gente, tenho muitos CDs de grupos gaúchos.