Um ano depois
Municípios da Região Metropolitana contam o que aprenderam com as enchentes de 2015
Chuvarada desta semana serviu de teste para quatro das cinco cidades visitadas pela reportagem. Metroplan estuda projetos contra cheias.
Quando o Guaíba despejou água para fora do Cais Mauá, no Centro de Porto Alegre, em outubro 2015, uma marca histórica foi batida depois de cinco décadas: a régua marcou 2,93 metros. Naquele momento, cem cidades gaúchas – oito da Região Metropolitana – estavam embaixo d'água na terceira enchente do ano a atingir o Estado. As cheias em 2015 iniciaram em junho e tiveram seu auge em outubro. Exatos 12 meses depois, como um teste, a chuvarada retornou em mais de 70 municípios. Em Esteio, por exemplo, choveram 144,6mm em 48 horas, acima da média para todo o mês, de 114mm. Em Eldorado do Sul, a água seguia subindo na sexta-feira. O DG visitou cinco das cidades mais atingidas no ano passado, que voltaram a ser impactadas por chuvas, para conferir as lições da enchente de 2015.
Alvorada se preparou para as chuvas
Ao contrário do ano passado, quando enfrentou três cheias que atingiram mais de 13 mil pessoas, Alvorada não teve problemas com as chuvas desta semana graças a ações pontuais desenvolvidas, como a limpeza dos arroios que circundam a cidade. O maior temor dos moradores de Alvorada se chama Arroio Feijó, cuja extensão de 10,5km passa por mais duas cidades – Viamão e Porto Alegre – e atinge 300 mil moradores. Apesar dos dias de chuvarada, entre 15 e 19 de outubro, ele se manteve no leito.
Mas nem a atual realidade é capaz de eliminar as marcas profundas que ficaram na memória da aposentada Marinês Costa, 58 anos, moradora há cinco décadas da Rua André da Rocha, no Bairro Americana. No ano passado, ela ficou quatro meses na casa de parentes esperando o fim das cheias. Mesmo distante 100m do arroio Feijó, a casa de madeira e alvenaria de Marinês ficou com metade submersa pelas águas em três momentos diferentes do ano.
– Voltava uma vez por semana para tirar os aguapés do pátio. Perdi todos os móveis, e vivo com os que ganhei de doações. Fico tremendo quando começa a chover. Foi a pior situação que já enfrentei.
Ações pontuais
Segundo o coordenador operacional da Defesa Civil de Alvorada, Vitório Trovão, depois do trauma de 2015, a prefeitura investiu em operações regulares de limpeza pluvial, como a retirada de entulhos trancados na ponte do Bairro Americana – por onde passa o Arroio Feijó. No mês passado, o governo estadual liberou uma escavadeira hidráulica e uma draga para desassorear o corpo d'água.
– Retiramos a areia acumulada e aprofundamos o leito em mais 2m50cm, numa extensão de 400m, dando mais velocidade para a água ir ao rio Gravataí – explica Vitório.
Outra ação que ajudou a dar vazão à chuva acumulada foi a limpeza constante do canal que passa nos fundos do Bairro Americana e é responsável por levar toda a água ao Feijó. Nesta semana, a Defesa Civil fez o monitoramento cinco vezes por dia dos três principais arroios que desaguam no Gravataí: Feijó, União e Águas Belas.
– Atualizamos o nosso plano de ação para uma nova cheia nas mesmas proporções de 2015, com foco ao atendimento dos moradores atingidos. Felizmente, tudo indica que desta vez não passaremos pela mesma situação – comemora o coordenador da Defesa Civil.
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Desde 2012, a construção de uma proteção contra enchentes em Alvorada faz parte do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais do PAC 2 Prevenção. O termo de compromisso para a obra na cidade foi assinado entre a Metroplan, representando o governo do Estado, e o Ministério das Cidades. Porém, ainda não está definido o tipo de obra que será construída na cidade para protegê-la das cheias. Foram destinados R$ 228 milhões para estudo e construção, com dinheiro liberado pela Caixa. Estão previstos 21km de dique que contemplarão Alvorada, Porto Alegre e Viamão.
Chuva foi teste para Esteio
Foi na dor que Esteio aprendeu a lição para evitar novas enchentes na cidade, admite o prefeito Gilmar Rinaldi. Nos últimos cinco anos, a prefeitura investiu R$ 25 milhões – com recursos do município e do Governo Federal – em obras que minimizariam os impactos das chuvas nas ruas. E o maior teste ocorreu nesta semana, quando choveu 144,6mm em 48 horas, acima da média esperada para todo o mês de 114mm, e nenhuma gota empoçou nas ruas que em anos anteriores viravam rios. Durante todo o período, os arroios Sapucaia e Esteio permaneceram dentro do leito, sem o registro de extravasamentos.
– A conclusão do dique do arroio Sapucaia, com extensão de 2,3km, e da microbacia de contenção, na altura das ruas Érico Veríssimo e Dona Isabel, funcionaram e evitaram a entrada de água nas ruas da região – comemora o prefeito.
Para concluir a obra e dar asfalto ao antes caminho empoeirado que se tornou a Avenida Brasil, ao lado do Sapucaia, a administração municipal precisou remover e reassentar 185 famílias ribeirinhas num novo loteamento. Hoje, a via tem pista exclusiva para ciclistas, uma novidade aproveitada diariamente pelo pedreiro Rodrigo da Silva, 31 anos, e o Gabriel da Silva, seis anos, moradores do Bairro São José.
– Passei a vida inteira dentro d'água quando chovia. Desta vez, foi diferente. Não teve cheia. Este dique nos deu uma área de lazer numa vila esquecida. É uma obra que pensou no futuro do meu filho e de outras crianças – acredita o pedreiro.
Equipe na rua
Outra ação desenvolvida em Esteio para evitar o entupimento de bueiros e o acúmulo de lixo nas margens de arroios foi a criação da Patrulha Integrada de Proteção Ambiental (Pipa), que reúne um fiscal de trânsito, um sargento da Brigada Militar e um fiscal do meio ambiente. Durante oito horas diárias, o trio percorre ruas e avenidas averiguando possíveis focos de entulho, de material de construção sobre as calçadas e carroças irregulares.
– Descobrimos que 80% dos entupimentos de bocas-de-lobo eram causados por areia e brita dispostas irregularmente nas calçadas. Há uma lei que determina que o material de construção deve ficar dentro do pátio do proprietário. Nosso objetivo é conscientizar a população. Por isso, apenas notificamos no primeiro alerta. Se houver reincidência, cabe multa – explica o fiscal de trânsito Jorge Lengrube.
Área rural de Novo Hamburgo voltou a ser atingida
Durou 12 meses o descanso do caíque de madeira da família Steffen, moradora da localidade de Santa Maria do Butiá, no Bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo. Construída no ano passado pelo industriário Celso Steffen, 53 anos, a pequena embarcação auxiliou as dez famílias que ficaram isoladas sem água potável e energia elétrica por mais de 15 dias quando o Rio dos Sinos avançou mais de dois metros de altura sobre a Estrada Porto Satiro, que dá acesso às moradias. Nesta semana, mais uma vez, a água voltou a inundar a região que fica numa área rural da cidade. Na quinta-feira, apesar de ter invadido com menos força, a enchente não permitia a passagem de pedestres ou veículos de quatro rodas. Apenas quem tinha barco podia acessar as casas – distantes cerca de 4km do trecho alagado.
Dez dias antes, a dona de casa Ana Paula Steffen, 35 anos, e a mãe, Elenita do Rosário, 63 anos, comemoravam um ano sem chuvas arrasadoras na região. No período, chegaram a mostrar o "caíque aposentado".
– Não deveríamos ter comemorado. Agora, ficaremos alguns dias sem poder sair de casa, pois a correnteza segue forte. Pelo menos, ainda temos luz – disse, por telefone, Ana Paula.
Obras
Cercada por 22 arroios e o Rio dos Sinos, Novo Hamburgo sempre enfrenta enchentes nas áreas ribeirinhas. Na terça-feira passada, pelo menos 20 famílias tiveram que deixar as casas nas vilas Palmeira e Capanema, no Bairro Santo Afonso. Em pouco mais de 24 horas foram registrados 182mm, quando a previsão inicial era de 40mm. Na quinta-feira, as famílias puderam voltar às moradias.
Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, a cidade investiu em treinamentos da guarda municipal e da defesa civil, e melhorias que pretendem estancar as enchentes nas áreas urbanizadas. O Bairro Canudos, um dos mais afetados pelas águas, recebeu maior atenção. Nesta semana, 300 famílias que viviam em áreas de risco assinaram a posse das novas unidades habitacionais. Outra obra é o alargamento do Arroio Pampa, em Canudos, com recursos de uma parceria entre município e governo federal, por meio do PAC – Manejo de Águas Pluviais. Além de melhorar a vazão do arroio, o projeto prevê também a substituição de cinco pontes de madeira existentes desde a década de 1970.
Ilhas e Eldorado do Sul voltaram a alagar
Na manhã da sexta-feira, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais emitiu um alerta para Eldorado do Sul anunciando risco alto de inundação. Naquele horário, ruas da Vila da Paz e dos bairros Cidade Verde, Chacará e Picada Norte já estavam alagadas. No ano passado, a cidade teve mais de 60% da cidade submersa pelas cheias de outubro. Desta vez, o coordenador da Defesa Civil de Eldorado do Sul, José Alberto Saraiva, previa situação parecida.
Segundo o secretário municipal de Planejamento, Adelar de Sena Rodrigues, a única forma de conter enchentes em Eldorado é construindo um dique circundando a área urbana, que é plana, tem a presença de lençol freático muito próximo à superfície e é vizinha de uma área de banhado. O projeto da obra tramita na Metroplan. Em Porto Alegre, os problemas seguem nas ilhas da cidade. Moradora da Ilha dos Marinheiros,Isabel Cristina da Silva, 39 anos, ficou um mês morando numa kombi no ano passado. Ela e a família levaram um ano para reconstruir e erguer em 2m a casa. Na sexta, a água já chegava no terreno, e Isabel não pretendia sair mesmo se a enchente se prolongar por mais dias.
Ao contrário de Eldorado, que não tem alternativas contra a enchente, Porto Alegre fez a revisão das 14 comportas, limpou bocas de lobo, valas e canais. Segundo o diretor do departamento de conservação do Dep, Stanley Martins do Amaral, a prefeitura se preparou para locar geradores no caso de falta de energia elétrica nas 19 casas de bombas que drenam as águas pluviais quando o nível está elevado.
Nesta manhã, o nível do Guaíba continuava subindo e alcançou a marca de 2,65 metros no Cais Mauá. Segundo o Centro de Comando da Capital, a cheia foi a quarta maior desde 1941, quando começou a ser medida pela Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH). Contudo, por volta do meio-dia, o nível estava um pouco mais baixo (2,61 metros) e sem previsão de que voltasse a subir.
Projetos de contenção tramitam na Metroplan
Estudos da Metroplan indicam que a Região Metropolitana de Porto Alegre, onde 40% da população gaúcha está concentrada, é a área do Estado mais vulnerável às inundações ribeirinhas. Por conta desta situação, o órgão trabalha com quatro projetos de obras que pretendem eliminar de vez as enchentes em Eldorado do Sul, Alvorada e cidades das bacias do Rio dos Sinos e do Gravataí. Eles fazem parte do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais do PAC 2 Prevenção. Apesar de já terem valores destinados, nenhum dos projetos deve sair do papel, pelo menos, nos próximos cinco anos.
– São obras complexas e que dependem de estudos iniciais, de impacto ambiental, de reuniões públicas e liberações em diferentes esferas.
Os quatro projetos estão ainda na primeira de três etapa de processo, que consiste no estudo de concepção da obra. Os dois mais adiantados são os dos diques de Alvorada e de Eldorado do Sul, que devem ter esta fase finalizada em dezembro deste ano. Já o estudo da bacia do Gravataí, com nove cidades, tem previsão de ter concluída a primeira parte em julho de 2017. E o levantamento da bacia do Rio dos Sinos, que envolve 32 cidades, só será apresentado em dezembro do próximo ano.
Confira as etapas:
1ª) Estudos iniciais, criação do anti-projeto e três reuniões públicas para apresentar as propostas - Prazo: de 12 a 24 meses.
2ª) Estudos ambientais, envolvendo Metroplan e Fepam - Prazo: de 12 a 24 meses.
3ª) Detalhamento do projeto - Prazo: no mínimo, 12 meses.
4ª) Construção da obra - sem prazo mínimo.