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Cadeira vazia

Morre Paulo Lopes da Silva, um dos engraxates mais antigos de Porto Alegre

Profissional levava bolinhos de chuva para os clientes e dançava entre um par de sapatos e outro

25/05/2022 - 22h07min


Jéssica Rebeca Weber
Jéssica Rebeca Weber
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Jefferson Botega / Agencia RBS
A cadeira de Vera, à esquerda e a de Paulo, à direita, do jeito que ele a deixou

A cadeira azul de engraxate segue na Praça da Alfândega, presa com corrente e cadeado. Por pelo menos duas décadas, quem a ocupava ouvia da boca sorridente de Paulo Lopes da Silva:

— Estava aguardando o senhor. 

Aos 79 anos, seu Paulo era um dos últimos engraxates de Porto Alegre. Ele faleceu no Hospital Cristo Redentor na quinta-feira passada (19), quatro dias depois que sua casa pegou fogo no bairro Partenon. Ainda não havia definição sobre o que teria causado o incêndio. 

Cabe à colega Vera Regina da Silva Weber comentar sobre os boatos e rumores aos clientes e conhecidos. Só na terça-feira (24), mais de 50 pessoas perguntaram por ele. Paulo era uma das figuras mais conhecidas da Praça da Alfândega. Comparecia diariamente ao seu ponto, ao lado da Caixa Econômica Federal, onde lustrava sapatos alheios por R$ 15. 

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— Ele não fugia de temporal, não ia em velório. Seu Paulo só faltou para morrer — diz Vera.

Quem levou Paulo para a praça foi o pai dela, dono da cadeira de engraxate de número 1. Paulo já havia trabalhado como caminhoneiro e possuíra uma lavagem de veículos. Depois de ficar viúvo, estava procurando um novo trabalho.

Se deu muito bem no atendimento ao público. Fazia todos os dias bolinhos de chuva graúdos para oferecer às pessoas. Reunia tanta gente ao seu redor para conversar que Vera às vezes lhe puxava a orelha:

— Tem muita junção, seu Paulo!

O engraxate passava o dia cantando e dançando de acordo com a trilha das caixas de som da loja Casa Maria. Era apaixonado por música: desfilava na velha guarda da escola de samba Império da Zona Norte, onde tinha o apelido de Chaparral, e recém tinha montado uma banda de pagode gospel na sua igreja. 

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Seu Paulo tinha 79 anos

— Estava sempre alegre. Dava uns gritos de vez em quando — comenta o aposentado Paulo Sagebin, um dos que pararam para perguntar por Paulo. 

Quando não estava engraxando, conversando ou dançando, estava lendo a Bíblia. Chegava à praça usando um chapéu e roupa social, que pendurava em um cabide atrás da cadeira para vestir um look mais simples e avental — não queria se sujar de graxa antes de ir ao culto. 

Ao final do expediente, acorrentava o banco à cadeira de engraxate e guardava suas escovas na banca de revistas em frente ao Rua da Praia Shopping. A atendente, Kellen Marques, lembra que a esperava fechar a banca para que não ficasse sozinha ao entardecer. 

Carlos Machado, artista que expõe seus quadros na grade da Caixa, acrescenta que os trabalhadores da praça formam uma família.

— Ficou um vazio — comenta. — Vai ser difícil de preencher. 

O corpo foi enterrado no Memorial da Colina, em Cachoeirinha, na última sexta-feira (20). Paulo deixa três filhas. 

Cynthia Vanzella / Agencia RBS
Paulo na Praça da Alfândega em 2010



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