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Piquetchê do DG

Legado de vitórias: como o CTG Rancho da Saudade se tornou heptacampeão do Enart

No tablado, CTG de Cachoeirinha fez uma homenagem aos 50 anos do Califórnia da Canção Nativa

26/11/2022 - 05h00min

Atualizada em: 27/11/2022 - 14h35min


Camila Hermes / Agencia RBS
Troféu do Enart ficará no CTG em Cachoeirinha

As comemorações ainda não pararam no CTG Rancho da Saudade, em Cachoeirinha. A invernada adulta, chamada de Os Provincianos, foi campeã pela sétima vez das Danças Tradicionais Força A, principal modalidade do Encontro de Artes e Tradição Gaúchas (Enart), que é a maior competição de cultura tradicionalista rio-grandense. O retorno do evento, após um intervalo de dois anos por conta da pandemia, ocorreu no final de semana passado, em Santa Cruz do Sul. O Rancho da Saudade também saiu vencedor na categoria Concurso Literário Gaúcho – Contos, com Everton Luis dos Santos Campos. 

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Para levar o troféu, a equipe homenageou os 50 anos do Califórnia da Canção Nativa tanto na coreografia de entrada quanto na de saída. As outras conquistas da invernada foram em 2004, 2007, 2011, 2012, 2014 e 2018. 

– É uma satisfação enorme o fruto do trabalho desse grupo, e quem convive com eles no dia a dia sabe o quando foi exaustivo. Mas o resultado veio e foi merecido. Para nós, é gratificante ver esse pessoal que permanece dentro do CTG e o adota como segunda casa – enfatiza o patrão do CTG, Tauner Machado de Souza, bicampeão neste título. 

Em 2018, quando o Rancho chegou ao hexacampeonato, a coluna Piquetchê conversou com integrantes que contaram seis segredos da trajetória vitoriosa. Neste ano, novamente, a reportagem retornou ao CTG para detalhar os trunfos da sétima conquista. Para Emerson Ribeiro, 47 anos, instrutor de danças tradicionais, são vários fatores que fazem o Rancho um grupo vitorioso e a somatória deles fazem parte da identidade que o CTG carrega. 

– É uma carga horária muito elevada de trabalho. Mas também investimos em uma boa estrutura na invernada juvenil, para que, a partir do momento em que eles estejam preparados, possam dançar na adulta. O tablado do Rancho é muito grande, ensaiamos no espaço que é o mesmo no qual dançamos em Santa Cruz. Além disso, temos profissionais de altíssimo gabarito tocando no musical. Nós investimos em bons trajes e figurinos, é um pouquinho de cada coisa – explica o instrutor. 

Tema escolhido

Neste ano, o Rancho da Saudade levou o troféu e o prêmio permanece na casa. O troféu, que é rotativo, pode ficar com o campeão quando ocorrem três vitórias consecutivas ou cinco alternadas. 

O hepta veio com uma proposta desafiadora de expressão em uma coreografia. A ideia, que partiu de Emerson, foi inspirada no espetáculo Califórnia da Canção Nativa 50 Anos de Nativismo – Tempo e Movimento. A apresentação contou a história do festival gênese do movimento que revolucionou o cenário da música gaúcha, no Teatro Dante Barone, em dezembro do ano passado. No espetáculo, Emerson teve o encontro com memórias afetivas criadas em festivais e CTGs. 

Emocionado e inspirado pelo tema, Emerson levou para o Rancho a ideia que foi abraçada pelos bailarinos.

– Geralmente, (nas apresentações do Enart) se conta a história de alguma etnia, ou de italianos ou de alemães ou de colonização. E uma história de italiano ou alemão tem um cheiro, uma comida, um vestuário, uma dança típica. Nós fizemos os 50 anos do Nativismo, que é um movimento musical, e como colocar isso na dança? Nos deparamos com 50 anos de movimento, e quantas músicas temos? Tivemos essa dificuldade em selecionar a música  – detalha Emerson. 

O acessório levado para o tablado pelos peões para representar a música nativista foi o violão dourado – a cor alusiva aos 50 anos. Já as duas músicas escolhidas de acordo com o tema, para entrada e saída, foram Campo, Pampa e Querência, João de Chagas Leite, e Santa Helena da Serra, de Rui Biriva. 

– Por mais que seja um tema presente no nosso tradicionalismo, o Nativismo é muito difícil de se coreografar. Então, tentamos retratar e pegar músicas que realmente traziam significado. Não são músicas que foram campeãs da Califórnia, mas que entraram para a história – conta Vitor Paim, 40 anos, analista de sistemas e ensaiador da invernada adulta. 

Reformulação pós-pandemia

A pandemia afetou o funcionamento dos eventos e também da rotina de ensaios das invernadas em todos os CTGs. No entanto, a pausa de quase dois anos não desorganizou o Rancho da Saudade em relação aos compromissos financeiros, conforme conta Patrícia Fonseca, 41 anos, secretária executiva e coordenadora da invernada adulta.

– Foi um baque para todos nós, pois trabalhamos com muitas pessoas que vivem da arte, da música, como professores. Mas o Rancho vem sendo preparado e gerido como uma empresa, então conseguimos continuar e pagar todos os profissionais que trabalham conosco. Foi uma grande alegria auxiliar eles durante um período tão difícil – explica Patrícia.

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Já em relação aos bailarinos, ela conta que, pelo afastamento e falta de perspectiva de retorno, alguns saíram do grupo:

– Muitos jovens dançarinos saíram e não quiseram retornar para essa carga de compromisso que são os ensaios. Em 2021, conseguimos ir retomando aos poucos, alguns voltaram, mas pessoas novas também integraram ao grupo. Hoje, somos 42 integrantes. 

Assim que foi possível, de acordo com as regras sanitárias da cidade, os ensaios serviram como forma de reanimar a paixão pelo movimento das invernadas, como conta Adriano Cabral, 39 anos, contador e capataz artístico do Rancho:

– Conseguimos retomar um pouco antes dos dois anos, porque sentimos necessidade. Nós tínhamos medo de perder as pessoas, perder os jovens de CTG para qualquer outra coisa na vida. Seguimos todas as medidas possíveis e, a partir de julho de 2021, voltamos ao CTG com ensaios separados, com dois metros de distância entre os dançarinos e sem se tocar.

Para ele, um dos desafios foi a retomada do ritmo de dança:

– Quem participa de CTG nunca desaprende a dançar, mas perde o ritmo. Se estamos vindo num ritmo muito acelerado, a retomada é diferente quando se fica dois anos praticamente parado.

Primeira vez 

Apesar de ser a sétima vitória do Rancho, muitos dos integrantes estrearam dançando na invernada adulta ou no Enart. 

– O grupo que dançou em 2019 foi muito diferente do que dançou agora. Nesse período, jovens que dançavam na invernada juvenil chegaram aos 18 anos e passaram para a adulta. Além disso, integraram-se ao grupo pessoas de outros CTGs. Então, cerca de 60% do grupo deste ano nunca havia dançado o Enart ou foi a primeira vez que dançou pelo Rancho da Saudade. Nos deixa extremamente felizes esse grupo ter conseguido fazer um espetáculo sendo tão jovem e sem tanta experiência – afirma Patrícia. 

Cada grupo competidor deve levar para o Enart ao menos 19 coreografias ensaiadas. As danças de entrada e saída são de livre escolha, e a organização sorteia, na hora, três danças que o grupo terá de desempenhar diante dos avaliadores. São observados correção coreográfica, harmonia de conjunto, interpretação artística e conjunto musical.

Uma das novidades foi o posteiro da invernada. Fernando Negreti, 32 anos, analista de compras, já havia sido vencedor com a invernada em outras edições, mas, nesta, assumiu a posição de liderança no grupo adulto, pela primeira vez. Ele teve o papel de chamar a dança no início da apresentação:  

– É um sonho realizado ser posteiro da invernada e sortear as danças que apresentamos. Foi uma alegria muito grande.

Para o sucesso, o comprometimento e a rotina cansativa de ensaios, que em dias de semana começavam por volta da meia-noite, foram respeitadas pelos integrantes que estavam chegando. A preparação começou em meados de março e foi intensificada a partir de agosto, com a aproximação do Enart, chegando a cinco ou seis encontros na semana. 

– Esse ano foi muito atípico e passamos por uma reformulação muito grande depois da pandemia. Mas, com uma geração mais jovem e determinada, estávamos num clima fora do comum, de que o grupo estava realmente preparado. Uma energia e a conexão muito fortes – afirma Nycollas Ourique, 30 anos, servidor público e, no CTG, coordenador da invernada adulta e instrutor na juvenil. 

Identidade do Rancho

Trabalho árduo, dedicação, amor, autenticidade e legado são alguns dos termos utilizados para descrever a identidade que o Rancho da Saudade possui em seus 36 anos. Conforme Patrícia explica, uma das formas de trabalho é empoderar cada um dos integrantes da força que o Rancho tem em títulos e história.

– O Rancho aprendeu em todos esses anos a trabalhar a arte e a trabalhar para o festival. Um dos grandes diferenciais é fazer a roda girar como se fosse sempre o mesmo grupo, mesmo que mude com o passar dos anos. Para quem assiste é o Rancho, mas para quem dança é uma carga pesada de representar uma legião de pessoas. O trabalho é tão intenso durante todo ano que todos tiram de letra (nas apresentações) – diz a coordenadora. 

Tanto Patrícia quanto Adriano reforçam a importância de olhar para o passado e respeitar as pessoas que construíram a história do CTG. Neste sentido, o capataz artístico aponta características que são passadas por gerações:

– É de não perder a identidade e de não perder a autenticidade que a gente tem. Em 2004, o grupo ganhou a primeira vez, e de lá pra cá a gente sempre teve uma identidade muito específica. Trabalhamos cada vez mais e evoluímos cada vez mais. Aprendemos com as pessoas que já passaram e seguimos ensinando para as pessoas que estão chegando. Acho que isso faz a roda girar cada vez mais. 

Para manter essa autenticidade, o trabalho das invernadas artísticas do Rancho da Saudade começa nas categorias de base. O CTG investe nas invernadas mirim e juvenil ativas, cujos integrantes acabam sendo aproveitados nos grupos de elite no futuro. 

– Isso mostra a total importância que damos, porque é dali que vai sair o nosso perfil – diz Nycollas. 

Em janeiro, o planejamento de 2023 já deverá estar pronto com todos os custos da invernada e também os eventos que serão feitos para arrecadação dos valores para as viagens, hospedagem, alimentação, figurino, entre outros. Neste ano, cerca de R$ 100 mil foram investidos pelo Rancho apenas no Enart e, por isso, a entidade deverá manter o ritmo em ações para repetir o feito. Para Emerson, instrutor e idealizador das coreografias, é impossível não pensar no futuro: 

– O sentimento do momento é o melhor possível e ser o campeão do evento é motivo de muito orgulho. Para o futuro do Rancho, eu acredito que vêm mais títulos! 

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