Seu Problema é Nosso
Sonho paralisado: cerca de 500 casais veem o desejo de ter filhos perder-se no tempo
Serviço de fertilização in vitro do Hospital Fêmina, que atende pacientes de todo o Estado, está parado desde 2018
Muitos casais sonham em ter filhos, embora alguns enfrentem dificuldades para realizar esse desejo de forma natural. Para os cerca de 500 que contam com o serviço de fertilização in vitro (FIV) – procedimento que faz a fecundação do espermatozoide no óvulo em laboratório – oferecido gratuitamente, via SUS, pelo Hospital Fêmina, em Porto Alegre, as dificuldades têm sido ainda maiores.
Em fevereiro de 2018, o serviço, que custa em média R$ 20 mil, parou de ser ofertado na unidade administrada pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Desde então, mais de um ano se passou, e nenhuma nova fertilização foi realizada no Fêmina.
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Em 23 de março deste ano, o Diário Gaúcho relatou o problema, que começou devido a uma infiltração na Unidade de Reprodução Humana do hospital. Após o episódio, a vigilância sanitária constatou irregularidades no setor, como a falta de equipamentos essenciais para a manutenção das fertilizações.
Promessa não cumprida
À época, o GHC informou que a compra dos equipamentos – uma capela de fluxo laminar, que serve para purificação do ar, e uma nova incubadora – estava em processo licitatório, de modo que as FIVs deveriam voltar a ser oferecidas até o fim do primeiro semestre. Contudo, a situação não mudou.
No Fêmina, além da FIV, também são oferecidos coito programado e inseminação intrauterina, que continuam sendo realizados. O hospital, que é referência em reprodução assistida, recebe pacientes de todo o Estado, pois, no Rio Grande do Sul, apenas ele e o Hospital de Clínicas realizam FIV.
“É meu sonho”
A diarista Maria Angelica Furstnow, 37 anos, e o motorista aposentado Luis Carlos Furstnow, 46 anos, de São Sebastião do Caí, formam um dos cerca de 500 casais que estão na fila para a FIV no Fêmina. A primeira consulta do casal foi em 2016. Desde então, eles aguardam pelo procedimento.
Para driblar a demora, começaram a fazer inseminações, também no Fêmina. Ao todo, já foram três tentativas – todas sem sucesso.
— O médico disse que não vale a pena tentar outra inseminação, pois a FIV é o indicado. Porém, orientou que juntássemos dinheiro para fazer particular. Não temos condições de pagar, a não ser que a gente ganhe na loteria. É como se um pedaço de mim tivesse indo embora, porque é meu sonho — relata a diarista.
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Primeira consulta após sete anos
A auxiliar de usinagem Clarisse da Roza Pintos, 41 anos, de Gravataí, sofre de obstrução nas tubas uterinas (ou trompas) e foi encaminhada para a especialidade Ginecologia Infertilidade em 30 de setembro de 2009. Contudo, a primeira consulta no Fêmina foi só em 30 de dezembro de 2016, quando entrou na fila da FIV.
Prestes a completar 42 anos, ela vê na fertilização in vitro sua última esperança:
— Passei por tudo isso por conta da demora. Mesmo assim, quando cheguei lá (no Fêmina), fiquei radiante. Porém, já na primeira consulta, a médica disse que demoraria quatro anos para fazer a fertilização. Continuamos na fila, só que, este ano, orientaram procurar uma clínica particular.
“A gente morre por dentro”
Em um grupo de WhatsApp, cerca de 200 mulheres que aguardam pela FIV no Fêmina dividem histórias. Para quem ainda nem foi chamada para a primeira consulta, como a balconista Rosana de Oliveira, 32 anos, de Pelotas, acompanhar esses relatos é desesperador:
— Não imagino não ser mãe. A infertilidade não é uma doença com risco de morte, mas a gente morre por dentro.
Saúde mental de pacientes é afetada
A estudante de Estética Marli Rosa Reis, de Arroio do Sal, tem endometriose profunda. A primeira consulta no Fêmina foi em fevereiro deste ano, quando entrou na fila da FIV. Desde 2016, ela aguarda a chamada do hospital. Vendo o tempo passar e sem conseguir realizar o sonho da maternidade, Marli desenvolveu depressão, ansiedade e síndrome do pânico.
— Parece que querem que a gente desista — desabafa a estudante.
GHC: Sem previsão para retomada
Em entrevista, o diretor técnico do GHC, Francisco Zancan Paz, esclareceu os principais pontos que envolvem a paralisação do serviço. De acordo com ele, não há previsão para que a FIV volte a ser oferecida, mas o hospital tem trabalhado para retomá-la o quanto antes.
Abaixo, confira a entrevista concedida à reportagem.
DG – Por que o serviço foi suspenso?
Francisco Zancan Paz – Várias razões. Uma delas é a falta do equipamento (já comprado), mas também alterações estruturais e de processos de trabalho. No último relatório que a vigilância enviou, confirma a suspensão e diz que precisam ser resolvidos todos os problemas. Isto é que está, de alguma forma, retardando o reinicio dos atendimentos, porque ainda não temos condições de atender todas as adequações. Mas estamos procurando atender esses pedidos, fazendo uma auditoria no serviço e buscando soluções.
DG – Quais são as exigências feitas pela vigilância?
Francisco –Instalação da capela de fluxo laminar, que implica alterar toda a aparelhagem de ventilação e climatização e mexer na estrutura, inclusive, do bloco cirúrgico. Isso é o mais importante. Também temos que adequar a equipe e mexer em processos de trabalho. Essas últimas alterações, temos condições de fazer. O que ainda não temos condições é de mexer na estrutura do hospital.
DG – Falamos de condições financeiras?
Francisco – Falamos de projeto, de condições financeiras e de aplicabilidade. No momento em que conseguirmos elaborar um projeto adequado, que não atrapalhe o funcionamento do restante do hospital, haverá uma licitação. Depois, precisamos ter dinheiro no orçamento para fazer isso. Então, certamente, são alterações que ainda vão demorar um certo tempo para serem atendidas.
DG – Ou seja, não há previsão para a retomada da FIV?
Francisco – Para a fertilização in vitro, não temos ainda uma data.
DG – Muitas pacientes temem que sequer volte. Esse risco existe?
Francisco – Nós não estamos trabalhando com essa possibilidade. Estamos trabalhando com a possibilidade de reestabelecer o serviço, mas não temos certeza se serão todas as técnicas. A intenção que o GHC tem é de manter o serviço de reprodução humana disponível para a população.
DG – Mas, então, a FIV pode não voltar?
Francisco – Dependendo do que a auditoria concluir, vamos definir se vamos trabalhar desta ou daquela maneira. Se nós não tivermos como atender o que a vigilância está pedindo, pode parar. Então, vamos fazer várias técnicas, com exceção da fertilização in vitro. Mas essa é uma decisão que a gente não tomou. Estamos buscando soluções.
DG – Quando a auditoria deverá ser concluída?
Francisco – Estamos aguardando, nos próximos 30 ou 60 dias devemos ter uma resposta. Mas é uma expectativa.
Vigilância: Nova vistoria será feita
Segundo a Vigilância Sanitária Municipal, o setor de FIV do Fêmina passou a ser inspecionado em 2013. Desde então, o serviço melhorou sua pontuação de risco, passando da classificação de “Alto Risco Potencial” para “Médio Baixo Risco Potencial”. Contudo, o órgão confirma que ainda são necessárias adequações na área física.
De acordo com a vigilância, a mais recente inspeção foi realizada em outubro, com emissão de relatório que ainda precisa ser respondido oficialmente pelo hospital. Com a resposta, uma nova vistoria será feita, podendo resultar na liberação dos atendimentos.
Produção: Camila Bengo