Mais cor e cultura nas ruas
Tradição em metrópoles como São Paulo e Nova York, muralismo ganha impulso e leva arte a prédios e paredões de Porto Alegre
Desenhos gigantes têm estampado cada vez mais fachadas da Capital, em obras já finalizadas ou em desenvolvimento em diversos pontos da cidade
Com o recém-inaugurado Mural Lutz, em homenagem ao ambientalista José Lutzenberger, na parede lateral do prédio do Instituto de Previdência do Estado (IPE), Porto Alegre acompanha um movimento comum em grandes cidades como São Paulo e Nova York: o chamado muralismo.
Desenhos gigantes têm estampado cada vez mais fachadas de prédios, empresas ou amplos paredões da Capital, em ações coordenadas pelo Festival Arte Salva, que convida artistas para criarem grafites — mas empresas também incentivam e patrocinam essa arte urbana.
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— A ideia foi justamente colocar em pauta a arte pública. O projeto fala muito da democratização da arte, do livre acesso, de impactar de forma positiva a vida das pessoas, de ressignificar a paisagem urbana das grandes cidades, e é um legado que deixamos para a cidade — explica Vinicius Amorim, curador e idealizador do evento.
A terceira edição do Festival Arte Salva ocorre com cinco intervenções artísticas em Porto Alegre — em quatro grandes prédios e em uma comunidade. As obras estão sendo executadas no Centro Histórico e na Cidade Baixa com obras de Apolo Torres, Carla Barth, Criola, Gabi Stragliotto e Tio Trampo. O evento conta com financiamento Pró-Cultura RS, do governo do Estado, e patrocínio da Tiger com apoio das Tintas Renner by PPG.
Confira intervenções mais recentes do Arte Salva
Av. Loureiro da Silva, 1.960 (Intercity Cidade Baixa, na João Pessoa)
Atualmente, este é o maior mural de Porto Alegre, com cerca de 800 metros quadrados. O artista Apolo Torres utiliza a pintura como linguagem artística, em telas e murais de larga escala. Sua obra, que está finalizada, dialoga com a pintura clássica, street art e arte contemporânea.
No seu trabalho, é recorrente encontrar representações de músicos e de instrumentos de jazz. No blusão do personagem retratado, há uma estampa com a capa do último CD de Milton Nascimento, que está fazendo sua turnê de despedida neste ano.
Av. Borges de Medeiros, 855 (Edifício Duqueza, no Centro Histórico)
A artista Criola retrata uma rainha africana negra em intervenção que deve ser finalizada até o final desta semana. Trata-se de uma das artistas visuais mais proeminentes da arte urbana, habituada a mergulhar em pautas sociais e políticas, com pinturas e murais de grande formato que tocam na ancestralidade para expor e questionar os valores da sociedade contemporânea.
Suas obras têm como foco principal a posição da mulher negra na sociedade e a importância de seu protagonismo no mundo. Além do figurativo, traz em seu estilo a inspiração da fauna e da flora brasileiras somadas aos grafismos de matrizes africanas.
Praça Marechal Deodoro, 170 (Edifício Tupy Silveira, no Centro Histórico)
O trabalho da artista Gabriela, que está finalizado, retrata pessoas estranhas na rua, que ela fotografa sempre de costas. A personagem retratada no centro da Capital escuta música e está olhando para a Catedral Metropolitana.
A artista, que está acostumada a pintar pequenas telas, se desdobra nos processos de construção e abstração da imagem, atravessando a figuração, principalmente no uso da pintura e combinando a mesma com instalações em áudio, vídeo e texto.
Rua José do Patrocínio, 462 (Ed. Salomão Ioschpe, na Cidade Baixa)
O artista Luis Flavio Trampo retrata um pássaro que representa a liberdade e a conexão com a natureza. O artista pretende devolver aos grandes centros o que tem se perdido — árvores e animais. A obra também deve ser finalizada até o final de semana.
Trampo ainda retrata com frequência tênis velhos e sem possibilidade de uso com flores plantadas dentro. O calçado simboliza a rua e a cultura do hip hop. Conhecido por seu trabalho social, é uma referência de arte urbana em Porto Alegre, participando tanto como voluntário em oficinas em comunidades carentes, como transmitindo esse mesmo conhecimento em universidades e workshops.
Av. Ipiranga, 754 (Projeto Comunidade Território Ilhota - atrás do Teatro Renascença, no bairro Praia de Belas)
A artista Carla Barth, que trabalha principalmente com pintura fazendo murais, telas e arte aplicada, deverá realizar intervenção no Território Ilhota. A história do local será retratada, mas a obra ainda não começou. A previsão é de que inicie nas próximas semanas.
Suas obras foram divulgadas em revistas de diversos países como Rússia, Inglaterra, Estados Unidos e Espanha. Possui obra no acervo do Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS) e murais em inúmeros espaços públicos.
Onde estão outras obras já prontas
Rua Praça Parobé, 77 (Estacionamento Parobé, no Centro Histórico)
- O mural do paulistano Tito Ferrara retrata uma mulher de cabelos escuros e duas onças em uma empena de 25 metros de largura por 15 de altura. A obra mistura retratos e histórias contadas por meio de escritas e tags também misturadas em camadas.
Rua Uruguai, 35 (Predial Bier Ullmann, no Centro Histórico)
- A obra foi idealizada pelo artista visual Kelvin Koubik, que também produziu o Mural Lutz e deve trabalhar agora em uma encomenda em Capão da Canoa, no Litoral Norte. O painel possui 25 metros de altura e procura levar a natureza para dentro da metrópole.
Rua Caldas Junior, 20 (Edifício Despachantes Aduaneiros, no Centro Histórico)
- O autor Bruno Schilling procurou inserir uma estrutura viva respirando no concreto da cidade. O melhor ângulo para sua visualização é na junção da Caldas Junior com a Siqueira Campos. O desenho possui duas faces de 27 por quatro metros.
Avenida Borges de Medeiros, 601 (Edifício Tabajara, no Centro Histórico)
- Com elementos botânicos em sua composição, a melhor vista deste mural acontece na descida da escadaria da Borges de Medeiros. A artista Pati Rigon trabalha com pinturas a óleo, ilustrações, grafites, performances, tatuagens e também atua como modelo e militante transintersexo.
Rua Souza Reis, 132 (Ocupação Mirabal, no bairro São João)
- A artista Ane Schütz pintou junto com mulheres do projeto Mirabal, o muro da instituição, uma obra de aproximadamente 13 por 2,8 metros. O foco de seu trabalho está na figura feminina e é influenciado pela cultura pop. Assim, as cores são vibrantes, há texturas, linhas orgânicas e formas abstratas em suas composições.
Curiosidades sobre os trabalhos
Quatro artistas negros do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, que são referências em arte urbana no país, trabalharam na pintura do Mural Aurora Negra em duas empenas do antigo Master Hotel (Rua Senhor dos Passos, 221), na Praça Otávio Rocha, em projeto encomendado pelo Carrefour.
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A obra é uma construção coletiva dos artistas Braziliano, Felipe Reis, Gugiê e Negritoo e preserva o traço e o estilo de cada um. Apoiaram todo o desenvolvimento, os artistas assistentes Trampo e Ofavo. O projeto conta com curadoria de Vinicius Amorim.
A arte do Mural Aurora Negra foi elaborada em quatro partes, trazendo um pouco da história e do traço de cada um dos artistas. Para apoiar o público na interpretação da obra, o grupo criou um manifesto:
“Em nossas consciências negras não existem margens, porque somos o centro de nossas histórias — histórias de afeto, orgulho, luta e preservação. Sentimentos concentrados em um beijo sensível em nossas crianças, utopias de afro futuros com os nossos pequenos reis e rainhas, máscaras desnudam a face e abrem portais para outros tempos. Gratidão pelas linhagens que nos trouxeram até aqui e nos colocaram de queixo erguido, empoderando nossas poesias. Sem esquecer que, para que nossas cabeças estejam nas nuvens, é importante que vossos pés estejam no chão — observando o novo dia, uma nova aurora, a ‘Aurora Negra’”.
Para pintar as empenas, que possuem 648 metros quadrados juntas, foram aplicados mais de 280 litros de tinta e vernizes e mais de 100 latas de spray.
Além disso, outra obra que se destaca em Porto Alegre está estampada na empena do prédio do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Pintado por dois muralistas de renome internacional, a suíça Mona Caron e o paulistano Mauro Neri, o grafite de 65 metros de altura por 15 metros de largura foi custeado por mais de 130 entidades, incluindo empresas, sindicatos, instituições e pessoas físicas, com apoio do poder público. Quem aparece retratada no mural é Beatriz Gonçalves Pereira, 60 anos, mãe de santo, negra e moradora da Ilha da Pintada. O movimento do muralismo chegou para ficar, dar cores, vida e ressignificar a paisagem da Capital.