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Lavagem de dinheiro

Polícia reforça o cerco ao dinheiro do tráfico na Região Metropolitana

Caçada ao dinheiro lavado pelo crime é a nova aposta da Polícia Civil para sufocar o tráfico. Na última quinta, foi criada a Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro

14/12/2015 - 07h07min

Atualizada em: 14/12/2015 - 07h07min


Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Operação Laranja Mecânica foi marco no combate à lavagem de dinheiro

Se a ação policial demorasse mais um ano, provavelmente o Caveirão da Morte não fosse mais a principal marca de uma quadrilha que dominava o tráfico de drogas da Região Metropolitana de Porto Alegre a partir do Bairro Morada do Vale II, em Gravataí. Possivelmente, Vinícius Antônio Otto, o Vini da Ladeira, e seus sócios seriam vistos por alguns como empresários do ramo dos transportes.

A Otto Express, uma empresa deste setor, está ativa há um ano, tendo dois irmãos do Vini como sócios. Eles já haviam adquirido dois caminhões cegonha e a suspeita é de que em breve teriam uma frota. Para a polícia, uma empresa vitaminada pelo dinheiro do crime.

- Era a grande aposta deles para lavar o dinheiro do crime que já estava difícil de esconder - acredita o delegado Eduardo Hartz.

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A estimativa é de que "a firma" movimentasse pelo menos R$ 1 milhão por mês. A meta da polícia agora é rastrear o quanto desse faturamento foi maquiado para se transformar em patrimônio dos criminosos. Será um dos casos para a Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro, criada oficialmente na quinta-feira, dia 10.

É que, apesar da legislação ser de 1998, somente na metade do ano passado a Polícia Civil criou o seu laboratório contra lavagem de dinheiro, que serviu como embrião à nova delegacia. Neste setor, acreditam as autoridades, está a chave para esgoelar o tráfico de drogas cada vez mais organizado na Região Metropolitana.

Para farejar o caminho do dinheiro dos criminosos de Gravataí, por exemplo, 48 contas bancárias tiveram o sigilo quebrado, dois caminhões cegonha e outros 26 carros - a maioria de luxo - foram recolhidos.

- Quando se derruba uma carga de drogas, o patrão verdadeiramente não perde. Ele cobra de quem perdeu e, na maioria das vezes, encomenda outros crimes como roubos para recompor aquele capital. De quebra, mantém o patrimônio "limpo" como uma reserva. Quando conseguimos chegar ao caminho do dinheiro até negócios legais da quadrilha, eles perdem o capital. E sem dinheiro, o traficante cai - explica o delegado Márcio Moreno, do Denarc.

Atualmente, o setor de combate a lavagem de dinheiro, que não atua só em casos de tráfico de drogas, trabalha em cerca de 30 investigações de outras delegacias. De acordo com a delegada Greta Anzanello, agora com a oficialização da nova delegacia já há, pelo menos, um inquérito próprio na largada da nova delegacia.

Este ano, o Ministério Público ofereceu dez denúncias por crimes de lavagem de dinheiro em geral à Justiça. Desde 2002, pelo menos 177 processos de lavagem foram julgados em recursos pelo Tribunal de Justiça.


Laboratório de Lavagem de Dinheiro existe desde o ano passado. Foto: Eduardo Torres/Diário Gaúcho

Na teia do laboratório

O decreto publicado na quinta-feira (10), no Diário Oficial do Estado, criou a nova delegacia e o Serviço de Escuta Legal, ambos ligados ao Gabinete de Inteligência da Polícia Civil. Departamentos um pouco diferentes de uma delegacia tradicional.

No Laboratório de Lavagem de Dinheiro, que é o embrião deste trabalho, há um analista de TI e outros cinco policiais que, na prática, são analistas de dados. De acordo com a delegada Greta Anzanello, foram agentes escolhidos a dedo, com formação em Direito, Ciências Contábeis e Administração.

- É um trabalho minucioso e extremamente técnico. O laboratório é uma ferramenta a outras investigações, como uma apuração complementar. Por exemplo, nós fazemos levantamentos de endereços de empresas de fachada e cruzamos todos os dados relativos a essa suspeita - explica ela.

Hoje, todos os dados de sigilos bancários enviados à polícia são carregados em um programa dominado por esses agentes e jogados em uma rede que trabalha com outras informações da investigação. A partir daí, inicia uma complexa teia de cruzamento de dados, que podem incluir quebras de sigilo telefônico, fiscal, endereços e até informações sobre a forma de atuação da quadrilha.

- O que sai desse cruzamento é uma teia, como uma linha do tempo, que consegue determinar quem se relaciona com quem em uma investigação, inclusive com a precisão de datas para transferências ou contatos. Qualifica e acelera investigações de lavagem - acredita a delegada.



Estado já recuperou R$ 6 milhões da herança do Xandi

Na semana passada, o Denarc indiciou 27 pessoas por lavagem de dinheiro, crime organizado, falsidade ideológica e extorsão, em um inquérito de sete mil páginas que abriu a caixa preta da herança deixada pelo traficante Alexandre Goulart Madeira, o Xandi _ morto em janeiro. O resultado até agora, entre imóveis e veículos sequestrados, foi a recuperação de R$ 6 milhões pelo Estado. A Operação Laranja Mecânica, desencadeada em outubro, é vista na Polícia Civil como um paradigma na descapitalização dos traficantes.

Neste caso, o laboratório de lavagem de dinheiro, e o próprio Denarc, analisaram os dados de pelo menos 12 empresas abertas pelo esquema  - entre elas a produtora de shows Nível A - e contas abertas em nomes de "laranjas" do bando por onde o dinheiro era capilarizado. Estima-se que em cinco anos, tenham movimentado até R$ 100 milhões - apenas um quarto rastreado em transações bancárias.

A diferença de Xandi, que era considerado um expoente na facção dos Manos, em relação a outros traficantes gaúchos foi justamente a profissionalização da lavagem de dinheiro. Enquanto os negócios mais comuns flagrados em ações policiais são a compra e venda de carros ou de imóveis, e ainda o uso de comparsas ou laranjas para pulverizar o dinheiro do crime em pequenas quantias por diversas contas bancárias, Xandi passou a um segundo estágio.

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- Eles abriam e fechavam empresas que passaram a não ser mais só fachada. Tinham lucro, mas com a contabilidade ainda amadora - explica o delegado Márcio Moreno, que comandou o inquérito pelo Denarc.

Era o caso da produtora de shows, que havia se tornado uma das principais no ramo do funk no Estado. No entanto, não contava com nenhum funcionário, o que rapidamente gerou a suspeita.

- A produtora foi uma forma que ele encontrou para unir o útil de afastar o dinheiro do crime e fazer render ainda mais e o agradável de manter uma influência cultural sobre as áreas que dominava. Ele ganhou apelidos como "general", não foi à toa. A lavagem de dinheiro facilitou isso - diz o delegado.

Em outro negócio, um suposto empresário que lidava com compra e venda de carros, por exemplo, chegou a ter lucro de R$ 9 milhões. Algo impossível neste ramo.

Os táxis do tráfico

Xandi foi executado no começo do ano. Havia sido indiciado apenas uma vez por tráfico. E nesta ocasião, prestou depoimento ao Denarc negando que fosse traficante, mas acabou expondo os seus "investimentos".

- Sou administrador de táxis e produtor - descreveu-se aos agentes.

No ramo dos táxis, ele não tinha a licença para nenhum deles, mas teria gerência sobre pelo menos 13 veículos na Capital.

- Foi um esquema criado por ele há pelo menos dez anos. Entregava dinheiro em espécie ao proprietário e virava uma espécie de investidor. A maquiagem do dinheiro vinha nas prestações de contas. Um taxista pode declarar que fez 20 corridas por hora, e justificar com aquele valor entregue pelo criminoso, quando na verdade fez só uma corrida. Assim o dinheiro do crime ganha aparência legal - explica o delegado Márcio Moreno.

O domínio dos táxis ainda garantia uma espécie de posto móvel nas disputas por territórios do tráfico na cidade. Um táxi poderia representar trânsito livre em áreas inimigas, por exemplo. Por temer informantes da quadrilha do Xandi, é que no começo do ano foi proibida por traficantes a entrada dos táxis no Beco dos Cafunchos, Zona Leste da cidade.

Argentino milionário se passava por empresário

O caso de lavagem de dinheiro do tráfico no Estado com maior patrimônio já detectado pela polícia atualmente tramita na Justiça Federal. A Operação Suçuarana, da Polícia Federal, revelou no ano passado um patrimônio avaliado em R$ 30 milhões acumulado pelo argentino Aldo Fabian Vignoni. Sob a fachada de empresário no ramo de revendas de carros e de imóveis de luxo, a partir de Gravataí ele comandava uma rede de tráfico internacional que abastecia diversas facções locais.

Aldo já foi condenado pelo tráfico internacional e a justiça determinou neste processo a entrega à União de R$ 141 mil sequestrados em contas bancárias, além de sete imóveis e 57 veículos. A lavagem de dinheiro ainda é apurada. Atualmente tramitam 44 processos em primeiro grau por lavagem na Justiça Federal gaúcha.


Quadrilha foi derrubada da Vila Maria da Conceição. Foto: Marcelo Oliveira/Agência RBS

O último golpe no império da Conceição

Em maio deste ano, aquele que já foi um dos impérios da droga na Capital sofreu um último baque. Carlos Alberto Silveira Drey, o Beto Drey - enteado do traficante Paulão da Conceição -, a companheira dele, Juliane Souza Santos, e outras três pessoas foram condenados por lavagem de dinheiro. Foi resultado de uma investigação iniciada em 2011 pelo Denarc por lavagem de dinheiro.

A polícia detectou pelo menos quatro negociações de carros de luxo em que Beto Drey se utilizava de laranjas. Na sentença, foi determinada a entrega de um desses veículos - Cadenza -, que havia sido apreendido, avaliado em R$ 120 mil. Os réus recorreram e aguardam o julgamento em segunda instância.

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Para o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC), Sidinei Brzuska, abater o capital de líderes de facções criminosas repercute com muito mais eficiência no enfraquecimento dessas organizações do que as prisões sucessivas de pequenos traficantes. Mas, segundo ele, o resultado não é permanente.

- A quebra enfraquece a liderança, mas sem uma política estruturada para combater o tráfico em todas as frentes, em algum momento eles reerguem o patrimônio. Provavelmente com o uso de violência em outro tipo de crime - avalia o responsável pelo controle das prisões da Região Metropolitana.

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Garantir condenações de traficantes por lavagem de dinheiro, segundo o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP, promotor Luciano Vaccaro, é uma estratégia para mantê-los mais tempo presos. Por essa condenação, Beto Drey, por exemplo, deverá cumprir outros dez anos e seis meses de cadeia em regime inicial fechado.

- Como a lavagem de dinheiro é um crime que depende de outro, antecedente, neste caso o tráfico, o condenado acaba tendo penas somadas. Por tráfico e lavagem - explica o promotor.


Maradona já foi um dos expoentes da facção Os Manos. Foto: Miro de Souza/Agência RBS

Sem provas, Maradona nunca foi indiciado por lavagem de dinheiro


Estivesse o laboratório em funcionamento há quatro anos, provavelmente o desfecho às operações quase simultâneas do Ministério Público e da Polícia Civil, em 2011, contra Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona, considerado até então o líder da facção Os Manos, seria diferente. No ano passado, ele foi condenado por associação ao tráfico e formação de quadrilha. O alvo das apreensões que era apontado como a "cereja do bolo" da lavagem de dinheiro do bando, porém, ficou intacto.

A mulher do criminoso administrava a casa noturna Mano's Bar, em Novo Hamburgo, apontada pelos investigadores como fachada para "limpar" recursos do crime. Mas não houve sequer o indiciamento por lavagem de dinheiro. Para o delegado Marcus Viafore, que liderou o pioneiro núcleo de lavagem de dinheiro no Denarc, em 2011, faltaram recursos técnicos para nortear a apuração. Dados como quebras de sigilos bancários dos envolvidos, por exemplo, chegaram ao Denarc em papel ou em CDs. O cruzamento de informações era manual.

- Abrimos um inquérito, mas com as possibilidades que tínhamos, não conseguimos chegar a provas concretas. Um programa como o usado hoje no laboratório nos poupa às vezes até anos de investigação - explica.

Ainda assim, dos cinco inquéritos abertos pelo núcleo, três geraram denúncias.

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