Porto Alegre
Bônus-moradia começa a ser pago a moradores da Vila Liberdade
Quase 10 anos após incêndio que destruiu 90 casas e desalojou 194 famílias na zona norte de Porto Alegre, prefeitura inicia pagamento
Uma mudança de postura no setor de habitação influenciará numa situação que se estende por quase uma década em Porto Alegre. Em 27 de janeiro de 2013, na mesma noite em que um incêndio provocou a morte de 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria, chamas também consumiam casas na Vila Liberdade, nas proximidades de onde hoje fica a Arena do Grêmio, em Porto Alegre. Na tragédia da Capital, não houve vítimas, mas 90 casas foram destruídas e 194 famílias ficaram desalojadas.
Enquanto a prefeitura estendeu promessas de construir 700 moradias na região – uma área estadual que era ocupada pelas famílias –, contemplando todos os moradores da Vila Liberdade, mesmo os que não tiveram suas moradias atingidas pelo fogo, nada saiu do papel. Agora, a ideia é outra. Por meio de bônus-moradia, as vítimas do fogo poderão adquirir residências em qualquer parte do Rio Grande do Sul.
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Cadastros
O valor fornecido pela prefeitura é de cerca de R$ 79 mil. Na época do incêndio, das 700 famílias que moravam no local, 450 optaram pelo aluguel social. Ao longo dos anos, muitas desistiram do benefício e voltaram para ocupações, inclusive, na própria área da Liberdade. Atualmente, conforme a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SMHARF), o benefício contempla cerca de 106 famílias que se mantiveram regularizadas junto ao Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
E são estas as primeiras contempladas com o bônus. Em dezembro, 22 famílias da Vila Liberdade que vivem no aluguel social já escolheram as novas moradias, e os valores foram depositados pelo município em contas dos proprietários dos imóveis selecionados. Agora, a liberação do valor depende da apresentação da escritura das residências, conforme a SMHARF. Titular da pasta, André Machado conta que a opção de começar por quem está no aluguel social é uma forma de agilizar o processo.
– Essas famílias são as que têm cadastro atualizado junto ao Demhab em razão do aluguel social. São contatos que pudemos buscar de modo mais ágil – pontua o secretário, garantindo que um levantamento atualizado, incluindo quem vive até hoje na área próxima ao incêndio, também está sendo feito.
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No improviso, sem perspectiva de sair
Anexo à terra da antiga Vila Liberdade, reside a face mais cruel do incêndio. Depois do fogo, famílias que preferiram permanecer na região foram realocadas em “casas de passagem”. Eram 82 residências de emergência construídas nas vilas Pampa e Mario Quintana, áreas contíguas à Liberdade. Provisórias, as moradias também ficaram conhecidas como “casinhas ecológicas”.
Construídas em madeira compensada e telhas de fibra de vidro, são pequenas, com divisórias improvisadas pelos moradores. Em 2019, o Diário Gaúcho visitou a área. O chão de várias casas já havia cedido e precisou ser substituído pelos próprios moradores. Pelo teor emergencial, as casas deviam resistir por pouco tempo. Mas, quase uma década depois, abaixo de remendos, repuxos, improvisos e, principalmente, por não ter uma opção melhor, elas ainda são usadas.
As famílias das casas de passagem ainda seguirão mais tempo por lá, sem a resposta aguardada desde 2013. Conforme o secretário André, o Demhab conseguiu liberação de 200 bônus-moradia para serem distribuídos ao longo de 2021 e 2022. Destes, 41 já foram destinados para famílias que viviam na Ilha do Pavão. Com os 41 bônus na Ilha do Pavão e dos outros 22 já direcionados para a Vila Liberdade, ainda restam 137 cotas a serem distribuídas. Cerca de mais uma dezena de famílias da Liberdade também no aluguel social estão iniciando os processos para escolha das residências, afirma a SMHARF.
– A prioridade está sendo as famílias da Vila Liberdade. Esse é o grupo que reúne mais pessoas em aluguel social. Mas, também usaremos o bônus para atender situações pontuais, como residências em áreas de risco na Lomba do Sabão e na região da Rua da Represa, na Zona Leste – pontua André.
Construção ocupada inviabiliza mudança
Apesar de o fogo ter consumido cerca de 90 casas no incêndio de 2013, a prefeitura assegurou que a reestruturação da comunidade iria abranger todas as 700 famílias que viviam no espaço. O pontapé inicial na transferência seria a mudança para 82 unidades construídas na Rua Frederico Mentz, no bairro Navegantes. O local está a menos de um quilômetro da vila.
Só que este espaço foi ocupado por outras famílias em 2014, antes mesmo de estar pronto – imprevisto que interferiu nos planos da prefeitura. Desde então, o município tenta reaver as casas para realojar as primeiras famílias da Vila Liberdade. No final de 2019, o Demhab chegou a afirmar que a área seria desocupada, mas isso não ocorreu.
Só que o condomínio comporta apenas 82 famílias. O que seria feito com os demais moradores da Vila Liberdade? A área onde estava a comunidade surgiu da ocupação de dois terrenos de propriedade do Estado. O governo estadual doou o espaço ao município em 2015, permitindo que a prefeitura construísse casas na região. Essa ação precisava ser aprovada pela Câmara de Vereadores, o que ocorreu em novembro de 2018. Só que o Demhab nunca conseguiu a liberação de recursos para licitar obras e construir as residências na região.
Com a nova postura, focando em distribuir bônus-moradia em vez de erguer loteamentos do zero, a prefeitura tenta dar início à cicatrização de uma ferida aberta há quase 10 anos na zona norte de Porto Alegre.