Seu problema é nosso
Em Porto Alegre, um dilema brota do esgoto
Rede de galerias de esgoto pluvial da cidade está 70% assoreada, conforme a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. Para reparar os problemas, prefeitura afirma que prazo não seria menor do que 20 anos, com investimento de R$ 3 bilhões
Sempre que alguma chuva mais carregada atinge Porto Alegre, os alagamentos, principalmente na Zona Norte, causam transtornos para a população. Esse problema se dá, em grande parte, pelas condições da rede de esgoto pluvial da cidade.
A rede de galerias por onde a água da chuva escoa já opera com um nível de 70% de assoreamento — que é a obstrução causada pelo acúmulo de areia e outros detritos — , conforme a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb). Com isso, a vazão da água é prejudicada, e os alagamentos em vias importantes da cidade demoram mais a desaparecer.
Responsável por serviços que envolvem essas operações, o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) foi extinto neste ano pela prefeitura. As funções do órgão foram divididas entre a SMSUrb e a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim).
Obstáculos
Longe das vias de grande fluxo onde os alagamentos atrapalham o trânsito, a falta de manutenção das redes pluviais também prejudica moradores de diversos bairros da Capital. Ao longo deste ano, o Diário Gaúcho mostrou sete casos envolvendo o extinto DEP. Dos problemas, que vão desde esgotos entupidos e calçadas desmoronando até a queda de um muro de contenção, três foram resolvidos. Quatro ainda aguardam por uma solução.
O secretário de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário, explica que as tubulações pluviais "são o tendão de Aquiles da prefeitura", pela quantidade de reclamações que são feitas e pela dificuldade em atendê-las.
O titular da pasta relembra que o antigo DEP ainda é alvo de investigações por fraude na prestação de serviços das empresas terceirizadas. Segundo ele, por esse motivo, a SMSUrb não conseguiu licitar equipes de trabalho durante dois meses — junho e julho — e isso atrasou ainda mais a solução dos casos.
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Prioridade são alagamentos
Entre os contratos que eram da alçada do Dep estão a dragagem de arroios, o desassoreamento de galerias, as pequenas obras (reparos que necessitam equipes de engenharia) e a manutenção corretiva. Na visão de Rosário, este último é o mais importante, pois envolve o contrato das equipes que trabalham na "linha de frente", com limpeza de bueiros, bocas de lobo, realização de hidrojateamentos e reconstrução de pequenas redes.
— Nós sabemos dos problemas, mas governar é trabalhar com prioridades. E, nesse momento, a prioridade é atuar para diminuir os alagamentos — explica o secretário.
Desde agosto, cerca de 30 equipes de manutenção corretiva trabalham na cidade, priorizando áreas de alagamento na Zona Norte, em bairros como Sarandi, Vila Nazaré e Vila Leão. Os dados sobre os alagamentos na cidade ao longo dos últimos anos estão sendo construídos em parceria com o Centro Integrado de Comando da Capital (Ceic). Uma obra de macrodrenagem no Arroio da Areia, que fica na área do Aeroporto Salgado Filho, com custo de R$ 106 milhões, também deve começar nos próximos dias. O objetivo da empreitada é diminuir os alagamentos na região da Avenida Sertório.
Também são atendidos serviços acumulados durante os dois meses em que não havia equipes nas ruas.
Conforme Ramiro Rosário, para sanar todos os problemas envolvendo o esgoto pluvial da cidade seriam necessários cerca de R$ 3 bilhões. E, mesmo que houvesse toda essa verba em caixa, os serviços não poderiam ser feitos de uma vez, pois "a cidade se transformaria em um canteiro de obras".
— Não é um problema recente, é algo de décadas. E acredito que, em menos de 20 anos, não será possível resolver todas as questões envolvendo os sistemas pluviais da cidade — afirma.
CONFIRA os casos publicados pelo DG que foram resolvidos
JARDIM ITU SABARÁ — Em 31 de janeiro, o aposentado Fábio da Silveira, 38 anos, morador da Rua Francisco Silveira Dias Filho, reclamou de um poste precariamente escorado devido a um vazamento de esgoto, que provocou um buraco na calçada. No começo do ano, logo após a publicação no jornal, agentes do DEP fizeram uma limpeza no buraco, sem finalizar a reforma. Em seguida, a Ceee foi ao local para consertar o poste, mas afirmou que só faria o reparo depois de concluída a reforma na calçada. Dois meses se passaram e, somente em abril, o reparo completo foi feito.
SANTA TEREZA — A jornalista Vânia Marocco, 45 anos, filha do aposentado Valter Chagas da Silva, 75 anos, relatou em 6 de julho que, dois meses antes, uma equipe do Dmae abriu um buraco na Antônio Odil Peixoto. Com o peso de um carro que passou no local, a calçada desabou, deixando uma cratera no local. O buraco impedia Valter de ir às sessões de fisioterapia, pois ele tem dificuldades de locomoção há oito anos em função da amputação da perna direita. Vânia conta que, depois que a matéria foi publicada, agentes do DEP — que assumiu a responsabilidade pelo reparo — colocaram uma placa de metal sob a cratera. Somente no final do mês passado, a calçada foi reconstruída por completo.
IPANEMA — O empresário Vitor Silva Assis de Oliveira, 53 anos, morador da Rua José Pedro de Moura, esperou por seis meses para que os buracos na calçada em frente à sua residência fossem consertados. As crateras se abriram em função de um entupimento na rede pluvial. Pouco tempo depois da publicação feita pelo DG, que ocorreu em 30 de maio, uma equipe foi ao local para fazer uma vistoria, mas não realizou nenhum reparo. A manutenção só foi finalizada há cerca de 20 dias.
CONFIRA os casos publicados pelo DG que ainda não foram resolvidos
NONOAI — Depois de quase nove meses, um muro de contenção que desabou na Rua Cangussu, ainda faz falta para os moradores. O solo abaixo do asfalto continua cedendo. Mesmo após entrar em contato com o DEP e sem um prazo para a obra, a situação se mantém. A auxiliar administrativa Sílvia Regina da Silveira Candia, 51 anos, já entrou em contato com a prefeitura diversas vezes, mas nenhuma providência foi tomada. O local está sendo usado para descarte irregular de lixo – colchões, móveis e até animais mortos. A SMSUrb explicou que, como não há Contrato de Pequenas Obras em vigência, ainda não é possível realizar a reconstrução do muro. O titular da pasta afirmou que, nas próximas semanas, deverá ser lançada uma licitação para contratação de uma empresa que fará os reparos que envolvem equipes de engenharia, como é o caso do muro de contenção.
SARANDI — Há dez anos, pais, professores e alunos da Creche Estrelinha do Céu, na Rua Ulysses de Alencastro Brandão, deparam com esgoto que corre a céu aberto em frente ao local. No mês de agosto, o DEP prometeu que faria uma limpeza no local com uso de hidrojato _ o que não aconteceu, de acordo com José Luiz da Cunha, 58 anos, diretor da creche. Para ele, a situação está pior do que em agosto. José conta que o esgoto está se espalhando pela rua, devido ao entupimento das redes, o que dificulta até mesmo o acesso à faixa de segurança que fica em frente à escola. O secretário Ramiro Rosário afirmou que foi feito hidrojateamento e limpeza das redes no local na semana passada. Por se tratar de uma creche, a manutenção está entre as prioridades da SMSUrb. Porém, uma intervenção maior, com reconstrução da rede de esgoto, não tem previsão de acontecer.
PARTENON — Em 15 de janeiro, o porteiro Alfeu Linhares, 57 anos, relatou o jogo de empurra entre órgãos da prefeitura que estava atrasando consertos na Rua Sílvio Romero. Parte do asfalto próximo ao número 490 e na esquina com a Rua Homem de Melo está quebrada e com vazamento de esgoto há pelo menos um ano, de acordo com Alfeu. Segundo ele, o DEP já esteve no local e desentupiu uma boca de lobo. Entretanto, a canalização não foi substituída nem a pavimentação, consertada. O titular da SMSUrb explicou que o serviço no local já está na programação da secretaria e deve ocorrer nas próximas semanas, mas não precisou uma data.
VILA NAZARÉ — A costureira e comerciante Marlene da Silva, 51 anos, contou ao DG no dia 13 de setembro que, no seu pátio, há uma grande caixa onde os dejetos do esgoto público são levados pela tubulação. Por ser muito funda, a caixa só pode ser limpa com hidrojatos. Quando fica cheio, o reservatório faz com que a água transborde, alagando o pátio de Marlene. Em alguns pontos, o alagamento alcança 40cm de profundidade, e a água entra na casa da moradora. Há mais de um mês, quando atravessava a ponte improvisada que construiu para conseguir entrar em casa, ela caiu e machucou a coluna. O secretário afirmou que já foram feitas limpezas e hidrojateamento em todas as redes do bairro. Somente um posto de visita ainda não foi limpo. Falta a autorização do proprietário do terreno onde fica o posto para que as equipes cheguem ao local. Rosário não soube precisar se este posto de visita é a mesma caixa que Marlene relatou existir em seu pátio.
*Produção: Alberi Neto, Eduarda Endler e Leticia Gomes